Vinicius Torres Freire: Ganha força a ideia de gastar dinheiro da calamidade do vírus em obras públicas

Mais gente quer furar o teto de gastos.
Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados
Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados

Mais gente quer furar o teto de gastos

Há gente no Congresso querendo mesmo abrir uma claraboia no teto de gastos. Isto é, quer permitir que o governo federal gaste além do limite constitucional, pelo menos neste ano ou em 2021.

A despesa extra seria destinada a investimentos e autorizada por um remendo no Orçamento de Guerra, o gasto excepcional autorizado no período de calamidade, declarado por causa da epidemia e que deveria durar até o final deste 2020.

O objetivo da providência talvez imprevidente seria o de fazer esta economia arriada pegar no tranco, por meio de obras novas ou da reativação de canteiros parados, o que aumentaria as encomendas às empresas e criaria empregos.

Seria razoável rediscutir o teto de despesas federais, que desde 2016 não podem aumentar em termos reais (ou seja, apenas podem ser corrigidas pela inflação, anualmente).

Os termos dessa rendição, no entanto, são muito, muitíssimo, complicados. Não é algo que se possa fazer à matroca ou por meio de gambiarras. Do jeito que a coisa vai, há um grande risco de esculhambação, com efeitos impremeditados e contraproducentes graves.

Por ora, parece difícil que tal projeto prospere, mas a ideia está no ar como um aerossol de coronavírus, faz uma duas ou três semanas. Havia sido lançada de modo atabalhoado, confuso e mal explicado em abril deste ano, o tal “Plano Pró-Brasil”, abatido por Paulo Guedes no ato do seu lançamento.

Agora, é motivo de conversa de gente de vários partidos, em particular no centrão, e de ministros de Jair Bolsonaro.

Qual o problema de dar uma furadinha no teto de gastos, usando recursos do Orçamento de Guerra?

Um deputado argumenta que, dado o déficit previsto de mais de R$ 800 bilhões neste ano, gastar uns R$ 30 bilhões ou R$ 50 bilhões não faria diferença no rombo, seria um cisco em um olho vazado.

Pode ser. A depender do tamanho da gambiarra, os credores do governo podem achar que se trata do começo de uma grande amizade, da primeira porteira derrubada de um “liberou geral”.

E daí? Daí as taxas de juros de prazo mais longo sobem, o real se desvaloriza e o tiro sai pela culatra.

Segundo problema, mas não menos importante, não há projetos, planos e meios de controle para gastar direito tais dinheiros. Muitas obras não andam porque são tecnicamente mal projetadas. Desperdícios, roubanças e falta de critério e prioridade são frequentes. É possível que enfiem jabutis nos gastos de investimento (gastos correntes, como despesas com salários e outros contrabandos).

Seria conveniente que houvesse alguma agência de controle de investimentos.

É razoável dizer que a retomada econômica será lenta sem um tranco de investimento público (o PIB se arrasta desde o fim da recessão), entre outros problemas de uma estagnação longa, como a destruição ou a obsolescência de capital, físico e humano.

No entanto, dados o tamanho da dívida, do déficit, da composição do gasto público e sua má qualidade, é bem razoável também dizer que a mera abertura da porteira para gasto extra, ainda que investimento, não é capaz de reativar a economia.

Nosso buraco é fundo e a discussão de como sair deste desastre é enrolada. É razoável pensar em mais investimento público.

Uma discussão séria do problema, porém, envolve grandes remanejamentos de despesa, aumento de carga tributária, um plano realista de contenção da dívida pública (um teto esperto). Tudo isso depende de um novo acordo nacional, um debate difícil e profundo, orientado por um governo construtivo. Nada disso existe.

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