O vírus isolou o centro do Rio, onde o Brasil foi Colônia, Vice-Reino, Reino, Império e República
Todos os estabelecimentos comerciais ameaçados de morte pela pandemia têm sua história. Alguns, claro, têm mais história do que outros, pelo tempo de casa e pelo que aconteceu entre suas paredes. Um deles é o Villarino, misto de uisqueria e balcão de importados no centro do Rio, fundado em 1953. Ali se deu, num fim de tarde de 1956, um aperto de mãos decisivo na cultura brasileira, entre Vinicius de Moraes, em busca de um parceiro para musicar sua peça “Orfeu Negro”, e Tom Jobim. O que resultou você sabe.
E só podia ter acontecido no Villarino, então um templo do pós-expediente para jornalistas, escritores, radialistas, compositores, arquitetos, diplomatas e pintores, quando todos ainda trabalhavam na cidade. De Pancetti e Dolores Duran a Paulo Mendes Campos e Villa-Lobos, era em suas mesas que eles comungavam em torno de um uísque, esperando o fim do rush, antes de rumar para a Zona Sul.
Até que, nos anos 80, a noite no centro do Rio, como a de muitas cidades brasileiras, foi deixando de existir. O Villarino reinventou-se como restaurante diurno, caseiro, de escalopes e escabeches, e seguiu firme. Além dos novos clientes que conquistou, havia os turistas a fim de conhecer o lugar onde se dera a inseminação da bossa nova.
Mas, agora, ele corre perigo. A pandemia isolou a região —os escritórios e repartições em torno reduziram o seu funcionamento presencial ao mínimo, e o Villarino viu-se, de repente, no meio do nada. Todo o comércio dali está assim.
O centro do Rio sempre conteve mais história do que os livros puderam registrar. Nele o Brasil foi Colônia, Vice-Reino, Reino, Império e República, e os nomes de seus personagens estão nas placas das ruas. É preciso que o carioca —pelo menos quem já começou a sair— volte àquelas ruas e àquelas mesas onde, um dia, sonhou-se um país. Que, pior para nós, só existiu enquanto estava sendo sonhado.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues
O vírus isolou o centro do Rio, onde o Brasil foi Colônia, Vice-Reino, Reino, Império e República
Todos os estabelecimentos comerciais ameaçados de morte pela pandemia têm sua história. Alguns, claro, têm mais história do que outros, pelo tempo de casa e pelo que aconteceu entre suas paredes. Um deles é o Villarino, misto de uisqueria e balcão de importados no centro do Rio, fundado em 1953. Ali se deu, num fim de tarde de 1956, um aperto de mãos decisivo na cultura brasileira, entre Vinicius de Moraes, em busca de um parceiro para musicar sua peça “Orfeu Negro”, e Tom Jobim. O que resultou você sabe.
E só podia ter acontecido no Villarino, então um templo do pós-expediente para jornalistas, escritores, radialistas, compositores, arquitetos, diplomatas e pintores, quando todos ainda trabalhavam na cidade. De Pancetti e Dolores Duran a Paulo Mendes Campos e Villa-Lobos, era em suas mesas que eles comungavam em torno de um uísque, esperando o fim do rush, antes de rumar para a Zona Sul.
Até que, nos anos 80, a noite no centro do Rio, como a de muitas cidades brasileiras, foi deixando de existir. O Villarino reinventou-se como restaurante diurno, caseiro, de escalopes e escabeches, e seguiu firme. Além dos novos clientes que conquistou, havia os turistas a fim de conhecer o lugar onde se dera a inseminação da bossa nova.
Mas, agora, ele corre perigo. A pandemia isolou a região —os escritórios e repartições em torno reduziram o seu funcionamento presencial ao mínimo, e o Villarino viu-se, de repente, no meio do nada. Todo o comércio dali está assim.
O centro do Rio sempre conteve mais história do que os livros puderam registrar. Nele o Brasil foi Colônia, Vice-Reino, Reino, Império e República, e os nomes de seus personagens estão nas placas das ruas. É preciso que o carioca —pelo menos quem já começou a sair— volte àquelas ruas e àquelas mesas onde, um dia, sonhou-se um país. Que, pior para nós, só existiu enquanto estava sendo sonhado.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues