Aos dados que ele próprio colheu, o Facebook acrescentou recentemente um gigantesco estoque de informações, ligado ao comportamento offline, no mundo real, de cada consumidor
Por John Lanchester
No final de junho deste ano, Mark Zuckerberg anunciou que o Facebook havia alcançado um novo patamar: 2 bilhões de usuários mensais ativos. Ou seja: 2 bilhões de pessoas diferentes acessaram o Facebook no mês anterior. É difícil aquilatar um conjunto desses. E pensar que “thefacebook” – o nome original do site – foi lançado para uso exclusivo dos alunos de Harvard em 2004. Nenhum empreendimento, nenhuma nova tecnologia, nenhum serviço jamais obteve tal difusão em tão pouco tempo.
A rapidez com que a rede social foi adotada excede com vantagem a velocidade de expansão da própria internet, sem falar de tecnologias mais antigas como televisão, cinema ou rádio. E também impressiona como, à medida que o Facebook cresceu, a confiança que inspira foi reforçada. A multiplicação de membros, ao contrário do que se poderia esperar, não significa menos comprometimento por parte do usuário. Mais não implica pior – pelo menos do ponto de vista do Facebook. Longe disso. No distante mês de outubro de 2012, quando a rede chegou a 1 bilhão de usuários, 55% deles já a acessavam todo dia. Hoje, que são 2 bilhões, os frequentadores diários chegam a 66%. Sua base cresce 18% ao ano – o que parecia impossível para uma empresa já tão gigantesca. O maior rival em matéria de inscritos é o YouTube, controlado pela Alphabet (a empresa antes conhecida como Google), sua concorrente implacável, que ocupa a segunda posição com 1,5 bilhão de usuários mensais. Os quatro maiores aplicativos – ou serviços, ou seja lá que nome tenham – que vêm em seguida são o WhatsApp e o Messenger, com 1,2 bilhão de usuários, o Instagram, com 700 milhões, e o aplicativo chinês WeChat, com 889 milhões. Os três primeiros têm um traço em comum: são controlados pelo Facebook. Não admira que a empresa-mãe seja a quinta mais valiosa do mundo, com um valor de mercado de 445 bilhões de dólares.
Ao comunicar o crescimento do Facebook, Zuckerberg ainda fez um anúncio que pode ou não ser significativo. Disse que a empresa havia decidido mudar a “declaração de princípios” – sua própria versão da hipócrita e cultivada afirmação de nobres preceitos da América corporativa. A missão do Facebook costumava ser “tornar o mundo mais aberto e conectado”. Um não usuário poderia se perguntar: a troco de quê? A conexão era apresentada como um fim em si mesmo, uma coisa boa pela própria natureza. Mas será mesmo? Flaubert falava dos trens com ceticismo, porque julgava (na paráfrase de Julian Barnes) que “as estradas de ferro simplesmente permitiram que mais gente se desloque daqui para lá, encontrando-se com outros e sendo, juntos, os idiotas de sempre”. E ninguém precisa ser um misantropo da magnitude de Flaubert para se perguntar se o mesmo não se aplicaria à tal conexão que o Facebook propõe. Por exemplo, acredita-se que a rede tenha desempenhado importante papel, crucial até, na eleição de Donald Trump. O benefício para a humanidade, no caso, não fica muito claro. Essa ideia, ou algo assim, parece ter ocorrido a Zuckerberg, pois sua nova declaração de intenções apontou uma razão para toda essa conectividade. Agora, a nova missão do Facebook seria “dar às pessoas o poder de construir comunidades e deixar o mundo mais próximo”.
Hummm. A declaração de intenções da Alphabet – “organizar a informação do mundo e torná-la universalmente acessível e útil” – era acompanhada da máxima “Não fazer o mal”, que rendeu muita risada: para Steve Jobs, não passava de uma “babaquice”.[1] É verdade, mas não é só isso. Muitas empresas, ou mesmo indústrias, baseiam seu modelo de negócios numa intenção perversa. O ramo dos seguros, por exemplo, funciona porque as empresas cobram bem mais do que seus clientes porventura venham a receber – o que é até justo, pois de outro modo as seguradoras não seriam viáveis. O que não é justo é o estratagema de recorrer a técnicas capciosas para evitar ao máximo os pagamentos devidos aos clientes. Basta perguntar a alguém que tenha tido uma propriedade atingida por algum sinistro importante.
Faz sentido, portanto, declarar a intenção de “não fazer o mal”, porque é assim que atuam muitos negócios. Sobretudo no mundo da internet, ambiente em que as empresas operam num campo mal compreendido pelos clientes e pelas autoridades reguladoras, se é que alguém de fato entende como funcionam. O que elas fazem, se competentes, é por definição inédito. E, nessa área em que novidade, desconhecimento e desregulação se sobrepõem, vale lembrar que os funcionários não devem fazer o mal, uma vez que, caso a empresa seja bem-sucedida, não faltarão oportunidades para que se pratiquem as mais variadas maldades.
Desde suas origens, mas com estilos diversos, Google e Facebook vêm palmilhando essa tênue linha divisória. Um conhecido meu já fez negócios com os dois. “O YouTube sabe que rola muita sujeira no site, e o pessoal sempre faz o possível para tentar melhorar e aliviar a situação”, ele disse. Perguntei o que ele entendia por “sujeira”. “Conteúdo extremista e terrorista, material roubado, violações de direitos autorais. Esse tipo de coisa. Mas o Google, na minha experiência, tem consciência das ambiguidades, da moral duvidosa que envolve boa parte do que fazem, e pelo menos tenta pensar numa resposta. Já o Facebook não está nem aí. Quando você tem uma reunião com eles, percebe na hora. Eles são (e por um instante ficou procurando a palavra certa) meio nojentos.”
Pode parecer um julgamento muito severo. Desde sua fundação, porém, o Facebook enfrenta problemas éticos e ambiguidades – sabe-se disso porque seu criador mantinha um blog e registrava tudo. E o nascimento da empresa ocorreu como se vê no filme de Aaron Sorkin, A Rede Social. Em seu primeiro ano em Harvard, Zuckerberg sofreu um revés sentimental. E quem não se vingaria com a criação de um site que exibisse lado a lado as fotos de todos os alunos, para que se votasse no mais atraente? (No filme, fica parecendo que só eram postadas fotos de moças; na vida real, eram de homens e mulheres.) O site chamava Facemash. Por ocasião do lançamento, seu criador disse:
Estou um pouco mexido, não vou negar. Ainda nem são dez horas, estamos numa terça-feira à noite. Como assim? O álbum do dormitório Kirkland está aberto no meu computador, e as fotos de algumas dessas pessoas são horríveis. Quase me dá vontade de pôr as fotos ao lado de imagens de animais de fazenda, para as pessoas votarem nos mais atraentes […] Vamos começar a hackear.
Como explica Tim Wu em seu novo livro The Attention Merchants [Os Mercadores de Atenção], vigoroso e original, o “álbum” a que Zuckerberg se refere aqui (chamado em inglês, justamente, facebook) é, “tradicionalmente, um folheto físico produzido nas universidades americanas para promover a socialização à maneira dos eventos em que cada um porta um crachá com o respectivo nome; as páginas são preenchidas por fileiras e mais fileiras de fotos de rostos acompanhados apenas do nome de cada um”. Harvard já vinha trabalhando numa versão eletrônica desses álbuns ou facebooks. A principal rede social existente à época, a Friendster, já tinha 3 milhões de usuários. A ideia de associar uma coisa à outra não foi de todo original, mas, como declarou Zuckerberg em certo momento, “acho ridículo a universidade precisar de anos para chegar a esse resultado. Faço isso melhor que eles, e no máximo em uma semana”.
Wu afirma que capturar e revender atenção vêm constituindo a base de grande número de negócios da era moderna, dos cartazes da Paris do fim do século xix, passando pela invenção de jornais de grande tiragem que lucram não com a circulação, mas com anúncios, até o advento das indústrias da publicidade e da tevê sustentada pela propaganda. O Facebook se filia a uma linhagem de empreendimentos desse tipo, embora talvez seja o exemplo mais puro, em todos os tempos, de empresa voltada unicamente à captura e à revenda da atenção. E quase não houve qualquer ideia nova envolvida em sua criação. Como observa Wu, é “um empreendimento com uma relação extremamente baixa entre taxa de invenção e sucesso”.
Em vez de buscar a originalidade, Zuckerberg cultivou a persistência em levar as coisas até as últimas consequências e a capacidade de distinguir as grandes questões em jogo. Para as empresas de internet iniciantes, o crucial é saber pôr os planos em prática e se adaptar às circunstâncias voláteis. E foi a habilidade de Zuck para esse tipo de direção – contratando técnicos talentosos e sabendo aproveitar as principais tendências de sua atividade – que levou sua empresa aonde se encontra. As duas imensas companhias-irmãs abrigadas sob as asas gigantescas do Facebook, o Instagram e o WhatsApp, foram compradas, respectivamente, por 1 bilhão e 19 bilhões de dólares – num momento em que não eram rentáveis. Nenhum banqueiro, analista de mercado ou adivinho poderia dizer a Zuckerberg o valor justo para essas aquisições; ninguém teria como avaliá-las melhor do que ele. Ele percebeu a direção que as coisas estavam tomando, e soube como fazê-las chegar lá. E este talento redundou num valor de várias centenas de bilhões de dólares.
O ator Jesse Eisenberg apresenta um retrato de Zuckerberg brilhante mas enganoso, segundo Antonio García Martínez, um antigo gerente da rede social, em Chaos Monkeys [Macacos do Caos] – um livro cáustico e divertido sobre o tempo em que o autor passou na empresa. O Zuckerberg do cinema é um personagem de alta credibilidade, um gênio da computação alocado em algum ponto do espectro autista, com um talento mínimo ou nulo para o convívio social. Na vida real, Zuckerberg estudava para obter dois diplomas, um em informática e o outro – o que todos tendem a esquecer – em psicologia.
As pessoas que se encaixam em algum ponto do espectro autista só têm uma noção limitada de como opera a mente alheia; os autistas, ao que se diz, não conseguem adquirir uma “teoria da mente”. Não é bem o caso de Zuckerberg. Ele conhece bem o funcionamento da psiquê, sobretudo a dinâmica social da popularidade e do status. No começo, o Facebook se dirigia apenas a quem tinha um endereço de e-mail de Harvard; àquela altura, pretendia-se tornar exclusivo o acesso ao site, e transformá-lo em objeto de desejo. (E também manter o tráfego limitado, de maneira que seus servidores jamais viessem a cair. A psicologia e a informática de mãos dadas.) Depois, a rede se estendeu a outras universidades americanas de elite. Quando foi lançado no Reino Unido, restringiu-se a Oxford e Cambridge, além da London School of Economics. A ideia era que o usuário satisfizesse a curiosidade quanto ao que outros como ele faziam, compartilhar suas conexões sociais, permitir a comparação, o autoelogio e o exibicionismo, dando plena vazão à ânsia e à inveja, mantendo o nariz pressionado contra a vitrine da loja de doces da vida alheia.
E foi isto que chamou a atenção do primeiro investidor externo do Facebook, Peter Thiel, hoje um conhecido bilionário do Vale do Silício. Também aqui o filme é fiel à história: o investimento de Thiel, de 500 mil dólares, em 2004, foi fundamental para o sucesso do empreendimento. Mas havia outro motivo, ligado aos apetites intelecuais de Thiel, que o levou a se interessar pelo experimento. Enquanto estudava em Stanford, onde se formou em filosofia, ele sentiu-se atraído pelas ideias do filósofo francês René Girard, residente nos Estados Unidos, expostas no mais influente de seus livros, Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo. A principal ideia de Girard é o que ele chama de “desejo mimético”. Seres humanos nascem precisando de alimento e abrigo. Uma vez atendidas essas necessidades básicas, espiamos ao redor para ver o que os outros estão fazendo e desejando, e nossa tendência é copiá-los. Em suma, disse Thiel, “a imitação se encontra na raiz de todos os comportamentos”.
Girard era cristão, e sua visão da natureza humana tem a ver com a noção da Queda. Não sabemos o que desejamos nem o que somos; não temos crenças nem valores próprios; o que nos domina é o instinto de cópia e comparação. Somos o Homo mimeticus. “O homem é a criatura que não sabe o que desejar, e precisa recorrer aos outros para se decidir. Desejamos o que os outros desejam porque imitamos seus desejos.” Olhai em volta, ó insignificantes, e comparai-vos uns aos outros.
O motivo pelo qual Thiel aderiu ao Facebook com tamanho entusiasmo foi por ter visto pela primeira vez um empreendimento essencialmente girardiano: escorava-se em nossa necessidade de nos copiarmos uns aos outros. “O Facebook começou a se espalhar pelo boca a boca, e funciona com base no boca a boca, de modo que é duplamente mimético”, disse Thiel. “As redes sociais se mostraram mais importantes do que pareciam à primeira vista porque têm a ver com essa nossa natureza.” Fazemos o possível para que nos vejam como queremos ser vistos, e o Facebook é a ferramenta mais popular que a humanidade já criou com essa finalidade.
Visão
Avisão da natureza humana implícita nessas ideias é bastante sombria. Se tudo que desejamos é olhar para os outros a fim de podermos nos comparar a eles e copiar o que nos der na telha – se é esta a verdade final e mais profunda sobre a humanidade e suas motivações –, o Facebook de fato não precisa se preocupar muito com o bem-estar da humanidade, uma vez que tudo de ruim que nos acontece se deve enfim a nós mesmos. Apesar do tom elevado da declaração de intenções da empresa, sua premissa essencial é misantrópica. E talvez seja por isso que o Facebook, mais que qualquer outro empreendimento das mesmas dimensões, tenha um veio claramente perverso correndo em sua trama. A versão mais visível disso, a mais corriqueira na imprensa marrom, toma a forma de incidentes como o streaming ao vivo de estupros, suicídios, assassinatos e matanças de policiais. Mas esta é uma das áreas em que o Facebook me parece relativamente isento de culpa. Os usuários transmitem essas coisas terríveis através do Facebook porque é lá que se encontra a maior das audiências; se o Snapchat ou o Periscope tivessem mais espectadores, seriam eles os preferidos.
Em muitas outras áreas, porém, o Facebook está longe de ser inocente. As críticas mais visíveis e mais recentes à empresa se devem ao papel que ela desempenhou na eleição de Trump. O que tem dois componentes, um dos quais implícito na natureza do site, que tende a separar e atomizar seus usuários em grupos de pensamento semelhante. A missão de “conectar” acaba significando, na prática, conectar pessoas que pensam como elas. Não há como provar o quanto essas “bolhas” produzidas por filtros diversos são perigosas para a sociedade, mas parece óbvio que vêm tendo um impacto considerável sobre nossa ordem civil cada vez mais fragmentada. A ideia que temos do que seja “nós” vem ficando mais e mais estreita com o passar do tempo.
Esta fragmentação criou as condições para a segunda vertente da culpabilidade do Facebook no que diz respeito aos desastres políticos anglo-americanos do ano passado. Esses desdobramentos são referidos, de maneira geral, como fake news[notícias forjadas] e “pós-verdade”, e se tornaram possíveis porque retrocedemos de uma ágora ampla do debate público para bunkers ideológicos isolados. Na mídia, as notícias forjadas podem ser rebatidas e denunciadas; no Facebook, se você não integrar a comunidade à qual essas mentiras são direcionadas, é provável que nem tome conhecimento delas. E isso porque o Facebook não tem qualquer interesse financeiro em só dizer a verdade. Nenhuma empresa ilustra melhor a máxima que rege a era da internet: se o produto for de graça, você é que é o produto. Os verdadeiros clientes do Facebook não são os frequentadores do site, mas os anunciantes que aproveitam sua rede e se beneficiam da capacidade dela de direcionar seus anúncios ao público mais receptivo. Para o Facebook, que diferença faz se as notícias postadas são verdadeiras ou falsas? Seu interesse está no direcionamento dos anúncios, no targeting, e não no conteúdo que os acompanha.
Este é um dos prováveis motivos para que a empresa tenha alterado sua declaração de intenções. Se seu único interesse é conectar as pessoas, por que se incomodar com a calúnia? Na realidade, os embustes podem até funcionar melhor que a verdade, pois ajudariam a identificar em menos tempo as pessoas que pensam parecido. A intenção recém-declarada de “construir comunidades” dá a impressão de que a empresa vem desenvolvendo um interesse crescente pelas consequências das conexões que propicia.
Fake News
As fake news não foram, como o próprio Facebook reconhece, o único recurso que o site usou para influir no resultado das eleições presidenciais de 2016. Em 6 de janeiro de 2017, o diretor nacional de inteligência dos Estados Unidos divulgou um relatório afirmando que os russos haviam promovido uma campanha de desinformação pela internet visando prejudicar a candidatura de Hillary Clinton e contribuir para a eleição de Donald Trump. “A campanha de Moscou obedeceu a uma estratégia russa de mensagens que combina operações secretas de inteligência – como a esfera cibernética – aos esforços explícitos de órgãos do governo da Rússia, da imprensa financiada pelo Estado, de intermediários terceirizados e de usuários pagos das redes sociais, os chamados trolls”, dizia o relatório. No final de abril, o Facebook acabou admitindo a verdade (àquela altura) já bastante óbvia, num interessante estudo produzido por sua divisão de segurança interna. Fake news, diz o texto, é um termo vago e pouco útil, pois na verdade a desinformação se espalha de várias maneiras:
Operações de Informação (ou Influência) – Atitudes tomadas por governos ou atores organizados não estatais com a finalidade de distorcer o sentimento político doméstico ou estrangeiro.
Notícias Falsas – Artigos noticiosos que passam por factuais, mas na verdade contêm afirmações forjadas destinadas a despertar paixões, atrair a atenção pública ou enganar os leitores.
Amplificadores Falsos – Atividade coordenada por contas inautênticas com a finalidade de manipular a discussão política (p. ex. desestimulando certos grupos a participar da discussão, ou dando às vozes sensacionalistas destaque muito maior do que às demais).
Desinformação – Distribuição intencional de conteúdo inexato ou manipulado. Pode se limitar a notícias forjadas, ou envolver métodos mais sutis, como a atribuição infundada de autoria (as chamadas “operações de bandeira falsa”), o direcionamento de citações ou matérias inexatas a intermediários inocentes, ou a amplificação deliberada de informações tendenciosas ou francamente enganosas.
A empresa promete abordar esse problema, ou conjunto de problemas, com a mesma seriedade com que encara outros de natureza diferente, como o malware [software malicioso], o sequestro de contas alheias e a difusão de spam. Veremos. A fake news de um é a verdade do outro, e o Facebook se esforça ao máximo para evitar qualquer responsabilidade pelo conteúdo do seu site – exceto no que diz respeito ao conteúdo sexual, questão em que demonstra um rigor extremo. Mamilos femininos são banidos. A escala de prioridades é bizarra, e só faz sentido no contexto americano, em que a mais ligeira sugestão de sexualidade explícita é logo tingida de impureza moral. Mesmo fotos de mulheres amamentando seus filhos são banidas e eliminadas num átimo. Já mentiras e mera propaganda podem circular à vontade.
Para entender esse quadro, basta adotar o ponto de vista dos anunciantes: nenhum deles quer aparecer ao lado de uma foto de seios nus, pois isso pode prejudicar sua marca; mas não se incomodam em aparecer ao lado de mentiras, porque essas mentiras podem inclusive ajudá-los a encontrar os consumidores aos quais pretendem direcionar seus anúncios. No livro Move Fast and Break Things [Aja Rápido e Quebre as Coisas], em que polemiza contra os “barões gatunos da era digital”, Jonathan Taplin ressalta uma análise do BuzzFeed: “Nos últimos três meses da campanha presidencial americana, as principais matérias de fake news ligadas à eleição e divulgadas pelo Fa-cebook engendraram reações mais determinantes que as principais matérias publicadas por órgãos de imprensa como o New York Times, o Washington Post, o Huffington Post, a NBC News e outros.” Mas isso não parece um problema que o Facebook tenha pressa em corrigir.
Conteúdo forjado e conteúdo roubado pululam no Facebook sem que a empresa se incomode: não lhe interessa se incomodar com eles. Boa parte do conteúdo em vídeo do site é roubado de seus criadores. Um vídeo muito esclarecedor divulgado no YouTube pela Kurzgesagt, uma produtora alemã de filmes explicativos de alta qualidade, mostra que, em 2015, 725 dos mil vídeos mais assistidos no Facebook eram roubados. E esta é mais uma área em que os interesses do site vão contra os da sociedade. Podemos ter um interesse coletivo em sustentar o trabalho criativo e imaginativo em diferentes formas, e em muitas plataformas. Mas o Facebook não. Como explica Antonio García Martínez, ele só tem duas prioridades: o crescimento e a monetização. Não quer saber de onde vem o conteúdo. Só agora começa a se preocupar com a percepção de que boa parte de seu conteúdo é falsa, porque essa percepção, se generalizada, pode abalar a confiança no que exibe e, portanto, o tempo que as pessoas gastam no site.
O próprio Zuckerberg se pronunciou sobre o tema, no post “o Facebook e a eleição”, veiculado pela rede. Depois de certa embromação sentimentaloide e cheia de platitudes (“Nosso objetivo é dar voz a cada pessoa. Acreditamos profundamente nas pessoas”), Zuck afinal chega ao ponto: “De todo o conteúdo do Facebook, mais de 99% do que as pessoas veem é autêntico. Só uma proporção mínima é composta de mentiras e fake news.” No entanto, mais de um usuário do Facebook já assinalou que, em seus feeds de notícias, o post de Zuckerberg aparecia ao lado de um exemplo de fake news. Num dos casos, a história falsa alegava ter sido produzida pelo canal de esportes ESPN. Quando o usuário clicava no link, porém, era direcionado para um anúncio de suplemento dietético. Nas palavras do escritor Doc Searls, trata-se de uma fraude dupla, “uma mentira flagrante vinda de uma fonte falsa”, o que não deixa de causar impressão ao aparecer bem ao lado do post em que o dono do Facebook se gaba de não exibir nada de falso em seu site.
Evan Williams, cofundador do Twitter e fundador do site Medium, especializado em textos longos, deparou-se com o mesmo post de Zuckerberg entre outra matéria falsamente atribuída à espn e uma nota supostamente publicada pela CNN anunciando que o Congresso americano afastara Donald Trump da Presidência. Quando o usuário clicava no link, via que a notícia falsa tinha sido postada por uma empresa que oferecia um programa de doze semanas para o fortalecimento dos dedos dos pés. (Isso mesmo: o fortalecimento dos artelhos humanos.) De todo modo, agora ficamos sabendo que Zuckerberg acredita nas pessoas. E isso, no final, é o que importa.
Observador
Um observador neutro poderia se perguntar se o Facebook é cumpridor em relação aos criadores de conteúdo. É óbvio que ele precisa de conteúdo, porque é o que seu site exibe: conteúdo produzido por terceiros. O único detalhe é que ele não faz muita questão de que alguém mais, além dele próprio, ganhe dinheiro com esse conteúdo. Ao longo do tempo, essa atitude vem tendo consequências profundamente destrutivas para as indústrias criativas e de mídia. O acesso a um grande público – esses inéditos 2 bilhões de espectadores – é uma coisa ótima, mas o Facebook não demonstra a menor pressa em ajudar qualquer outro a faturar com isso. Se os fornecedores de conteúdo acabarem indo à bancarrota, talvez o problema nem seja tão sério. Continuam a existir, nos dias que correm, muitos fornecedores dispostos a colaborar: em certo sentido, qualquer pessoa que frequente o Facebook trabalha para ele, agregando valor à empresa. Em 2014, o New York Times fez as contas e descobriu que a humanidade vinha gastando, por dia, 39 757 anos coletivos no site. Jonathan Taplin assinala que isto equivale a “quase 15 milhões de anos de mão de obra gratuita por ano”. E isso num momento em que o Facebook tinha apenas 1,23 bilhão de usuários.
Taplin trabalhou na universidade e na indústria cinematográfica. O motivo de dar tanta importância a essas questões é que começou na indústria da música, como empresário do conjunto The Band, e pôde assistir de perto à destruição dessa atividade pela internet. A indústria da música, que em 1999 faturava 20 bilhões de dólares, reduziu-se a 7 bilhões quinze anos mais tarde. Taplin viu músicos que ganhavam bem passarem a viver na miséria. E isto não ocorreu porque as pessoas tenham parado de ouvir o que eles produzem – o número de ouvintes é maior do que nunca –, mas porque todo mundo se acostumou a receber música de graça. O YouTube é a maior fonte de música do mundo, divulgando bilhões de fonogramas por ano; ainda assim, em 2015, ele e seus sites rivais, todos sustentados por anúncios, renderam menos para os músicos do que as vendas de seus discos de vinil. Não as vendas totais de cds e gravações em geral: só as vendas de vinil.
Coisa semelhante vem acontecendo no mundo do jornalismo. O Facebook é, em essência, uma empresa de publicidade indiferente ao conteúdo, exceto na medida em que este ajuda a direcionar e vender anúncios. Opera no caso uma versão da Lei de Gresham – a moeda má expulsa a moeda boa –, em que as fake news, que são clicadas mais vezes e custam zero para produzir, acabam provocando a exclusão das notícias reais, muitas vezes mais incômodas para quem lê, além de terem produção custosa. Afora isso, o Facebook ainda emprega uma ampla série de truques para aumentar seu tráfego e a renda que obtém com o direcionamento de anúncios, às expensas das instituições provedoras de notícias cujo conteúdo ele hospeda. Seus feeds de notícias encaminham o tráfego para os usuários não com base em seus interesses, mas na maneira de extrair o máximo de renda dos anúncios direcionados a cada um. Em setembro de 2016, Alan Rusbridger, ex-editor chefe do Guardian, declarou numa conferência do Financial Times que o Facebook tinha “sugado 27 milhões de dólares” da renda de publicidade projetada para o jornal naquele ano. “Estão ficando com todo o dinheiro porque controlam algoritmos que não entendemos e funcionam como um filtro entre o que produzimos e a maneira como nosso produto é recebido pelas pessoas.”
E isto vai ao cerne da questão do que é o Facebook, e de como funciona. A despeito de todas as declarações sobre conectar pessoas, construir comunidades e acreditar nos outros, ele é uma empresa de publicidade. Martínez revela com toda a clareza como o Facebook acabou assim, e de que maneira a propaganda funciona. Nos primeiros anos de existência do site, Zuckerberg estava muito mais interessado no crescimento da empresa do que na sua monetização. Mas isso mudou quando o Facebook decidiu arrecadar uma fortuna em sua oferta pública inicial (ou IPO, de Initial Public Offering), o dia de glória em que as ações de uma empresa são vendidas pela primeira vez ao público em geral. Trata-se de um teste para qualquer empresa iniciante: para muitos que trabalham na chamada indústria da tecnologia, a esperança e as expectativas associadas a essa “estreia” respondem por seu ingresso nessas empresas, e/ou os mantêm grudados a seus postos de trabalho. É o ponto em que o dinheiro imaginado na fase inicial de um empreendimento se transforma no capital real de uma empresa aberta ao público.
Martínez estava presente no momento exato em que Zuck reuniu todo mundo e comunicou que iam se transformar numa empresa de capital aberto, o momento em que todos os empregados souberam que estavam a ponto de enriquecer:
Escolhi um assento atrás de um par isolado, que mais adiante identifiquei como Chris Cox, diretor de produtos do fb, e Naomi Gleit, uma ex-aluna de Harvard que foi a funcionária de número 29 do Facebook e era considerada na época a pessoa que trabalhava há mais tempo na empresa, afora o próprio Mark.
Naomi, entre uma e outra conversa curta com Cox, clicava intensamente em seu laptop, dando pouca atenção à parolagem zuckiana. Olhei por cima de seu ombro para a tela do computador, e vi que ela estava percorrendo um e-mail com inúmeros links que ia abrindo um atrás do outro, cada qual numa aba nova do seu navegador. Ao terminar essa verdadeira maratona de abertura de links, começou a examinar o conteúdo de cada aba com os olhos muito atentos. Eram anúncios de imóveis em São Francisco.
Imóveis
Martínez tomou nota de um dos imóveis e mais tarde foi consultar a oferta. Custava 2,4 milhões de dólares. Ele escreve de maneira irresistível, e com uma amargura fascinante, sobre as diferenças de classe e status no Vale do Silício, abordando em especial a questão, jamais ventilada em público, do imenso abismo entre os primeiros funcionários das empresas, que muitas vezes enriquecem numa escala fantástica, e os escravos assalariados que ingressam em momentos posteriores. “O protocolo manda não declarar nada em público a esse respeito.” No entanto, Bonnie Brown, massagista empregada nos primórdios do Google, escreveu em suas memórias que “um grande contraste se desenvolveu entre googlers que trabalhavam lado a lado. Enquanto um consultava os horários dos cinemas locais, o outro reservava passagens de avião para um fim de semana em Belize. E agora, como ficavam as conversas das manhãs de segunda-feira?”.
Quando chegou o momento da IPO, o Facebook, de empresa de imenso crescimento, passou a ser uma empresa com um faturamento incrível. Já vinha faturando algum dinheiro graças a seu tamanho (como observa Martínez, “um bilhão de vezes qualquer número é sempre um número grande à beça”), mas não o suficiente para garantir um valor de fato espetacular no lançamento de suas ações. Foi a essa altura que Zuckerberg começou a se concentrar na questão de como monetizar o Facebook. É interessante, e meritório, que não tenha dedicado muita atenção a ela antes disso – talvez porque não sinta um interesse particular pelo dinheiro em si. Mas sem dúvida ele gosta de vencer.
A solução era disponibilizar a montanha de informações que o Facebook reúne sobre sua “comunidade”, de modo a permitir que os anunciantes direcionassem suas mensagens com um grau de especificidade sem precedente em qualquer meio de comunicação. Martínez: “O corte pode ser demográfico (p. ex., mulheres entre 30 e 40 anos), geográfico (pessoas que vivam num raio de 10 quilômetros em torno de Sarasota, na Flórida), ou até com base em dados do próprio perfil do usuário no Facebook (você tem filhos? Ou seja, pertence ao segmento das mães?).” E Taplin diz o mesmo: “Se eu quiser atingir mulheres entre 25 e 30 anos do código postal 37 206 que gostam de música country e costumam tomar bourbon, o Facebook pode cuidar disso para mim. E mais: muitas vezes ele pode incluir uma ‘história patrocinada’ no feed de notícias de seus consumidores-alvo, dando a impressão de que é postagem de amigo, e não anúncio. Como diz Zuckerberg na apresentação dos Facebook Ads[2]: ‘Nada influencia mais que a recomendação de um amigo de confiança. Uma recomendação de confiança é o Santo Graal da publicidade.’”
Essa foi a primeira etapa do processo de monetização da empresa, quando ela transformou sua escala gigantesca numa verdadeira máquina de produzir dinheiro. O Facebook oferecia aos anunciantes uma ferramenta de precisão inédita para direcionar seus anúncios a determinados consumidores. (Certos segmentos de eleitores também podem servir de alvo para um direcionamento de precisão absoluta. Um exemplo de 2016 foi um anúncio anti-Clinton repetindo o célebre discurso de 1996 em que Hillary falava de “superpredadores”.[3] O anúncio foi especificamente direcionado aos eleitores afro-americanos em áreas onde os republicanos ainda podiam – e conseguiram, como ficou demonstrado – superar a votação democrata. Ninguém mais viu os anúncios na ocasião.)
A segunda grande mudança em matéria de monetização ocorreu em 2012, quando o tráfego da internet começou a migrar para os celulares. Se você usa um computador para acessar quase tudo que lê online, saiba que está em minoria. E essa migração representou um desastre potencial para as empresas que dependem da propaganda virtual, porque ninguém gosta de anúncios no telefone, e a tendência é clicar bem menos do que na tela de um computador. Noutras palavras: embora o tráfego geral viesse aumentando rapidamente, esse aumento tinha a ver com a multiplicação dos celulares, o que tornava o tráfego proporcionalmente menos valioso. A se confirmar essa tendência, todas as empresas que dependiam da contagem de cliques – ou seja, quase todas, mas sobretudo as gigantes como Google e Facebook – passariam a valer muito menos dinheiro.
O Facebook resolveu o problema por meio de uma técnica conhecida como onboarding. Como explica Martínez, a melhor maneira de entendê-la é pensar em nossos vários tipos de nome e endereço.
Por exemplo, se a Bed Bath and Beyond quiser me enviar um de seus maravilhosos cupons de desconto de 20%, ela precisa se dirigir a:
Antonio García Martínez
1 Clarence Place #13
San Francisco, CA 94107
Se quiser me alcançar em meu celular, o nome que precisa usar é:
38400000-8cfo-11bd-b23e-10b96e40000d
Essa é a identidade quase invariável do meu aparelho, transmitida centenas de vezes por dia em transações publicitárias para o celular. Já no meu laptop, meu nome é o seguinte: 07J6yJPMB9juTowar.AWXGQnGPA1MCmThgb9wN4vLoUpg.BUUtWg.rg.FTN.0.AWUxZtUf.
Este é o conteúdo do cookie de redirecionamento do Facebook, usado para me direcionar anúncios personalizados com base na minha navegação habitual pelo telefone celular.
Embora possa não ser óbvio, cada um desses códigos está associado a um rico apanhado de dados sobre nosso comportamento pessoal: todos os websites que visitamos, muitas coisas que compramos em lojas físicas, todos os aplicativos que usamos e o que fazemos em cada um deles…
Em termos de marketing, o que mais conta nos dias de hoje, e vem gerando dezenas de bilhões de dólares em investimentos, além de um planejamento interminável nas entranhas do Facebook, do Google, da Amazon e da Apple, é descobrir a maneira de associar esses vários conjuntos de nomes, e determinar quem controla esses links. E só.
Pessoas
OFacebook já detinha uma quantidade astronômica de informação sobre as pessoas, suas redes sociais, suas preferências e antipatias declaradas.[4] Depois de despertar para a importância da monetização, acrescentou aos dados que ele próprio colhia um gigantesco estoque novo de dados ligado ao comportamento offline de cada consumidor, no mundo real, adquirido de grandes empresas como a Experian, que há décadas monitora as compras dos consumidores por meio de relações com firmas de marketing direto, empresas de cartão de crédito e varejistas. Difícil descrever essas empresas numa única palavra – “agências de crédito de consumidores”, ou algo semelhante, seria um resumo aproximado. Seu alcance, porém, é muito maior do que essa definição daria a entender.[5] Essas empresas sabem tudo que se pode saber sobre seu nome e endereço, sua renda e nível de instrução, seu estado civil, além de tudo que você comprou usando um cartão de crédito. Agora, o Facebook poderia combinar a identidade de cada usuário ao identificador único do respectivo aparelho de celular.
E isso foi crucial para o aumento da lucratividade do Facebook. Nos celulares, as pessoas tendem a preferir a internet aos aplicativos, que se apoderam da informação que reúnem e se recusam a compartilhá-la com outras empresas. É improvável que um aplicativo de jogo do seu celular saiba mais a seu respeito do que o nível que você alcançou naquele determinado joguinho. Por outro lado, como todo mundo está no Facebook, a empresa conhece o identificador dos celulares de todo mundo. E foi capaz de criar um servidor que direciona os anúncios para celular com muito mais precisão que qualquer outra empresa, de um modo mais elegante e integrado do que ninguém jamais conseguiu.
E assim o Facebook conhece a identidade do seu telefone e sabe associá-la à sua identidade no Facebook. E junta isso ao resto de sua atividade online: cada site que você visita, cada link que você segue – o botão do Facebook rastreia cada usuário do Facebook, independentemente de ele clicar ou não. Como o botão do Facebook é quase onipresente, a rede consegue ver você em todo lugar. Hoje, graças às parcerias com as empresas tradicionais de crédito, ele sabe quem todo mundo é, onde todo mundo mora, e tudo que todo mundo já comprou com o cartão de crédito em qualquer loja offline do mundo real.[6] E toda essa informação é usada para uma finalidade, em última análise, altamente rasteira: vender coisas por meio de anúncios online.
Os anúncios funcionam de acordo com dois modelos. Num deles, o vendedor pede ao Facebook que direcione seu anúncio a consumidores de uma determinada camada demográfica – fã de música country e apreciadora de bourbon de 30 e tantos anos, ou afro-americano da Filadélfia que não demonstra muito entusiasmo por Hillary. Mas o Facebook também direciona anúncios por meio de um processo de leilões online, que ocorrem em tempo real cada vez que você clica num site da web. Como todo site que você visita planta (mais ou menos) um cookie em seu navegador, toda vez que você vai para um novo site ocorre um leilão em tempo real, com a duração de milionésimos de segundo, para decidir o valor da sua atenção e determinar os anúncios que lhe serão apresentados, com base no que se sabe de seus interesses, sua renda e assim por diante. E é por isso que os anúncios apresentam essa tendência desconcertante a nos seguir por toda parte: você procura uma nova televisão, um par de sapatos ou um local para passar as férias, e a publicidade correspondente continua a pipocar em cada site que você visita semanas mais tarde. E foi assim, canalizando seus talentos e recursos para o problema, que o Facebook conseguiu transformar o advento do celular, de potencial desastre financeiro, num imenso e vigoroso gêiser de lucros.
O que isso quer dizer é que, mais do que vender anúncios, a principal atividade do Facebook é a vigilância. Na verdade, ele é a maior empresa com base na vigilância de toda a história da humanidade. Ele sabe de muito mais a nosso respeito que o governo mais invasivo jamais soube acerca de seus cidadãos. É impressionante como as pessoas não perceberam esse caráter da empresa. Passei muito tempo refletindo, e sempre retorno à ideia de que os usuários não se dão conta da real atividade da empresa: manter-nos a todos sob vigilância, e em seguida usar as informações para vender anúncios. Não sei se já existiu tamanha desconexão entre o que uma empresa alega fazer – “conectar”, “construir comunidades” – e a realidade de sua prática comercial. E notem que as informações acumuladas não são usadas apenas para o direcionamento de anúncios, mas também para definir o fluxo de notícias dirigido a cada um.
Diante da vastidão do conteúdo postado no site, o que você acaba vendo é determinado por algoritmos que filtram e direcionam esse conteúdo: as pessoas acreditam que seu “feed de notícias” tem a ver basicamente com seus amigos e seus interesses, e isso é mais ou menos verdade, observada uma condição fundamental: é determinado sim por seus amigos e interesses, mas da maneira como são mediados pelos interesses comerciais do Facebook. Os olhos dos usuários são sempre conduzidos para o ponto onde rendem mais para a empresa.
Fico imaginando o que irá ocorrer quando – e se – cair esta ficha de 450 bilhões de dólares. A história dos mercadores de atenção, segundo Wu, costuma seguir um padrão sugestivo: todo boom é quase sempre sucedido por um efeito oposto de retrocesso; períodos de expansão explosiva em geral provocam uma reação pública, às vezes de ordem legislativa. O primeiro exemplo evocado pelo autor foi a implantação de leis draconianas contra cartazes de propaganda, na Paris do início do século XX (e ainda hoje em vigor). Como diz Wu, “quando o produto em questão é o acesso à mente do público, a busca perpétua do crescimento desencadeia formas de retrocesso praticamente inevitáveis, de maior ou menor importância”. E ele dá o nome de “efeito de desencanto” a uma das formas menores desse fenômeno.
O Facebook parece vulnerável a esse desencanto. Um dos pontos em que tais efeitos podem se manifestar é na essência do modelo de negócio – a venda de anúncios. A publicidade veiculada é “programática”, ou seja, determinada por algoritmos que associam o usuário aos anunciantes. O problema desse método, do ponto de vista do cliente – e o cliente, no caso, é o anunciante, e não o usuário do Facebook –, é que muitos dos cliques nesses anúncios são falsos. E aqui encontramos uma disparidade de interesses. O Facebook sempre quer mais e mais cliques, porque é assim que ele fatura: sempre que os anúncios são clicados. E se os cliques não forem reais mas automáticos, produzidos por contas fajutas administradas por robôs computadorizados, os bots? Esse é um problema conhecido que afeta sobretudo o Google, porque é fácil criar um site, admitir a hospedagem de anúncios programáticos e depois programar um bot para ficar clicando nesses anúncios, e em seguida basta recolher a grana que não para de entrar. No Facebook, os cliques fraudulentos tendem a vir mais de empresas que procuram aumentar os custos dos anúncios de suas concorrentes.
A publicação Adweek, voltada para a indústria da publicidade, estima que o custo anual da fraude dos falsos cliques seja de 7 bilhões de dólares, mais ou menos um sexto de todo o mercado. Um único site fraudulento, Methbot, descoberto no final do ano passado, dispõe de uma rede de computadores hackeados e gera entre 3 e 5 milhões de dólares de cliques diários. As avaliações da proporção do mercado tomada pelo tráfego fraudulento são variáveis, com estimativas que chegam a quase 50% do total; certos websites afirmam que seus dados indicam uma proporção de até 90%. O que cria problemas não só para o Facebook – pode-se imaginar que as empresas que pagam pela ad tech, como é conhecida esta tecnologia, se revoltem contra ela. Estudiosos do assunto me disseram que o mundo das empresas que mais compram publicidade, responsáveis por canalizar grande parte de seus orçamentos para o Facebook, é dominado por certo efeito de rebanho. Mas essa postura pode mudar. Por outro lado, muitos dos parâmetros medidos pelo Facebook sofrem uma leitura tendenciosa, que procura captar a luz num ângulo que lhe confira maior brilho. Um vídeo que passe por três segundos no Facebook já é dado como “visualizado”, ainda que só visto de passagem no feed de notícias – e mesmo que exibido sem som. Muitos vídeos com centenas de milhares de “visualizações” no Facebook, se avaliados à luz dos critérios de contagem empregados para medir as audiências de televisão, veriam seu número de espectadores reduzido a zero.
E uma revolta da clientela poderia coincidir com uma reação brusca de retrocesso por parte dos governos e das agências reguladoras. O Google e o Facebook detêm o monopólio virtual da publicidade na web, e esse poder monopolista vem se tornando cada vez maior à medida que os gastos com publicidade migram mais e mais para a internet. Juntos, os dois já destruíram grandes setores do ramo da imprensa diária. O Facebook foi determinante para o rebaixamento do debate público, permitindo com mais facilidade a circulação das “grandes mentiras” (Große Lügen) de que Hitler falava com entusiasmo – dessa vez transmitidas para um público gigantesco. A empresa não é obrigada a lidar com esse tópico, mas ela pode acabar atraindo a atenção das autoridades reguladoras. O que não constitui a única ameaça externa ao duopólio Google/Facebook. A postura dos Estados Unidos diante da lei antitruste deve sua definição a Robert Bork, juiz indicado por Reagan para a Suprema Corte, mas não confirmado pelo Senado americano. A orientação jurídica mais influente de Bork se dá na área do direito da concorrência: a única forma relevante de conduta anticoncorrencial é a que afeta o preço pago pelo consumidor. Segundo ele, a queda dos preços indica que o mercado está funcionando, e que medida nenhuma é necessária contra o monopólio. Esta filosofia ainda rege as atitudes de regulação nos Estados Unidos, e é a razão pela qual a Amazon, por exemplo, jamais foi incomodada pelas autoridades reguladoras, apesar da posição claramente monopolista que ocupa no mundo das vendas online a varejo, em especial de livros.
Por esses motivos estritos, as grandes empresas da internet continuam a parecer invulneráveis. Pelo menos até que se considere a fixação individualizada de preços. O imenso rastro de dados que todos produzimos em nossas perambulações pela internet vem sendo cada vez mais usado para nos cobrar preços que não têm mais a ver com etiquetas coladas às mercadorias nas lojas. Pelo contrário, são preços dinâmicos, que variam conforme nossa capacidade aparente de pagamento.[7] Quatro pesquisadores sediados na Espanha estudaram em 2012 o fenômeno criando identidades virtuais que se comportavam como se fossem, num caso, “preocupadas com o orçamento” e, em outro, “afluentes”; depois, verificaram se essa divergência de comportamento redundava em preços diferentes. E a resposta foi claramente positiva: uma busca por fones de ouvido obteve como resposta uma série de preços, na média, quatro vezes maiores para o consumidor virtual afluente. Um site que vende passagens aéreas com desconto cobra preços mais altos dos consumidores afluentes. De maneira geral, a simples localização de quem faz a busca chega a produzir variações de até 166% nos preços que lhe são apresentados. Em suma, preços personalizados existem e são fixados de acordo com os rastros que deixamos. O que me parece à primeira vista uma violação das leis antimonopolistas americanas posteriores a Bork, que têm como foco a variação dos preços. E não deixa de ser um tanto engraçado, além de meio grotesco, que, aparentemente, um aparato de gigantismo inédito voltado para a vigilância do consumidor seja considerado aceitável, enquanto um aparato de gigantismo inédito de vigilância do consumidor que resulte em preços mais elevados para algumas pessoas seja considerado ilegal.
A maior ameaça potencial para o Facebook talvez seja a eventualidade do desligamento de seus usuários. Dois bilhões de frequentadores mensais ativos é muita gente, e os “efeitos de rede” – a escala da conectividade – são, obviamente, extraordinários. Mas existem outras empresas que conectam pessoas em escala semelhante – o Snapchat tem 166 milhões de usuários diários, o Twitter, 328 milhões de usuários mensais – e, como vimos no ocaso do MySpace, que chegou a ser a maior rede social, assim que as pessoas mudam de ideia a respeito de um serviço, seu desligamento pode ocorrer em massa, e em altíssima velocidade.
Por esta razão, o Facebook se veria em perigo caso se difundisse o entendimento de que seu modelo de negócios se baseia na vigilância. A única ocasião que ele promoveu uma sondagem entre os usuários sobre o modelo de vigilância foi em 2011, quando propôs a mudança de seus termos e condições de uso – mudança que hoje rege o modo como são usados os dados recolhidos. O resultado não deu margem para dúvida: 90% das respostas foram contrárias às mudanças. O Facebook ignorou, afirmando que o número de votantes havia sido muito pequeno. O que não constitui nenhuma surpresa – nem a repulsa dos usuários à vigilância, nem a indiferença da empresa a esta repulsa. Mas isto ainda pode mudar.
Outro fenômeno que pode afetar os usuários é que eles interrompam a frequência devido à infelicidade que ela lhes traz. Não é o mesmo caso do escândalo de 2014, quando se descobriu que cientistas sociais da empresa haviam manipulado os feeds de notícias de certos usuários para avaliar os possíveis efeitos sobre as suas emoções. O artigo resultante da experiência, publicado nos Proceedings of the National Academy of Sciences [Atas da Academia Nacional de Ciências], era um estudo sobre o “contágio social”, ou a transmissão de emoções entre grupos de pessoas, resultante de uma modificação na natureza das notícias vistas por 689 003 usuários do Facebook. “Quando as expressões positivas eram reduzidas, as pessoas produziam posts menos positivos e mais negativos; quando as expressões negativas eram reduzidas, ocorria o padrão oposto. Esses resultados indicam que as emoções expressas pelos outros têm uma influência sobre nossas emoções, é um indício experimental do contágio em grande escala através das redes sociais.” Mas os cientistas parecem não ter considerado como essa informação seria recebida, e o caso repercutiu por algum tempo.
Talvez a notoriedade dessa história tenha acidentalmente desviado a atenção do que poderia ter sido um escândalo maior ainda: a publicação, no início do ano, do artigo “O uso do Facebook e o comprometimento do bem-estar: um estudo longitudinal”, no American Journal of Epidemiology. Os cientistas que conduziram o estudo constataram que, quanto mais as pessoas usam o Facebook, mais elas são infelizes. Um aumento de 1% no número de “curtidas”, cliques e atualizações de status está correlacionado a um decréscimo de 5 a 8% na saúde mental dos usuários. Além disso, ficou claro que o efeito positivo das interações ocorridas no mundo real, que contribuem para o nosso bem-estar, encontra um paralelo exato nas “associações negativas do uso do Facebook”. De fato, as pessoas vêm trocando as relações reais, que contribuem para o seu bem-estar, por um tempo cada vez maior no Facebook, que lhes provoca sentimentos negativos. Esta extrapolação é minha, e não dos autores do artigo, que tomam o cuidado de sublinhar que se trata apenas de uma correlação, e não de uma relação direta de causa e efeito; mas chegam a dizer que os dados “sugerem uma possível substituição das relações offline por relações online”. E esse não foi o primeiro achado desse tipo: muitas pesquisas vêm demonstrando que o Facebook faz as pessoas se sentirem uma merda. E por isso talvez um dia parem de usá-lo.[8]
Ese nada disso acontecer? Se os anunciantes não se revoltarem, se os governos não tomarem nenhuma atitude, se os usuários não debandarem, se o navio abarrotado de passageiros comandado por Zuckerberg seguir navegando livre, leve e solto?
Precisamos reexaminar a cifra de 2 bilhões de usuários ativos mensais. Em todo o mundo, o número de pessoas com algum acesso à internet – definido da maneira mais ampla possível, das mais lentas conexões discadas ao serviço precário de celular nos países em desenvolvimento, contando ainda todos que têm algum acesso, mas não o utilizam – é de 3,5 bilhões. Deste total, 750 milhões vivem na China e no Irã, que bloqueiam o Facebook. Cerca de 100 milhões de russos que se conectam à internet tendem a não usar o Facebook porque preferem seu equivalente nativo, o VKontakte. O que define uma audiência potencial de 2,6 bilhões de pessoas para o Facebook. Nos países desenvolvidos onde ele funciona há vários anos, seu uso atinge picos de uns 75% da população total (nos Estados Unidos). Isto resultaria numa audiência potencial de 1,95 bilhões de pessoas para o Facebook. No entanto, com 2 bilhões de usuários mensais ativos, a rede já ultrapassou este número, e agora começam a faltar humanos conectados. Martínez compara Zuckerberg a Alexandre, o Grande, triste porque lhe faltavam novos mundos para conquistar. Talvez esse seja um motivo dos sinais prematuros que Zuck vem emitindo a respeito de concorrer à Presidência – uma turnê pelos cinquenta estados fingindo que se importa com tudo, a pose de pensador atento em que foi fotografado tomando um milk-shake num restaurante (alarme de Pretensões Presidenciais!!) no estado de Iowa.
O que vai ocorrer a partir de agora nos remete aos dois pilares da empresa – o crescimento e a monetização. O crescimento só pode brotar da extensão da conectividade a novas áreas do planeta. O Facebook tentou o Free Basics, programa que oferecia conexão em aldeias distantes da Índia, sob a condição de que o leque de sites disponibilizados fosse determinado pela empresa. “Quem pode ser contra isso?”, escreveu Zuckerberg no Times of India. A resposta: milhões e milhões de indianos enfurecidos. O governo indiano decidiu que o Facebook não tinha o direito de “delimitar a experiência dos usuários”, embargando seu acesso ao resto da internet. Um membro do conselho da empresa tuitou: “O anticolonialismo vem sendo uma calamidade econômica para o povo indiano há décadas. Por que mudar agora?” Como afirma Taplin, essa observação “revela, sem querer, uma verdade até então nunca enunciada: Facebook e Google são os novos poderes coloniais”.
Assim, o lado da equação que lida com o crescimento não deixa de apresentar seus desafios, tanto tecnológicos quanto políticos. O Google (que tem um problema similar de carência de usuários potenciais) vem trabalhando no Projeto Loon, “uma rede de balões que flutuam no limiar do espaço, destinados a estender a conectividade para pessoas em áreas rurais e remotas do mundo inteiro”. O Facebook está empenhado num projeto que envolve um drone movido a energia solar, o Aquila, com envergadura de uma aeronave comercial, peso inferior ao de um carro e consumo de energia menor do que um micro-ondas. A ideia é que ele circunde áreas remotas do planeta hoje desconectadas, em voos que poderão durar até três meses, conectando os usuários via laser. (O projeto vem sendo desenvolvido em Somerset, na Inglaterra. O programa de drones da Amazon também tem sua base no Reino Unido, perto de Cambridge. A regulamentação legal britânica é francamente favorável aos drones.) Mesmo o mais calejado dos céticos em relação ao Facebook não tem como não se impressionar com tanta energia e ambição. Ainda assim, os próximos 2 bilhões de usuários vão dar muito trabalho para serem arregimentados.
Isto no que diz respeito à expansão, que deverá ter como alvo especial o mundo em desenvolvimento. Nos países ricos, como a Inglaterra, o foco está mais na monetização, e é nessa área que me vejo obrigado a admitir algo que talvez já tenha deixado claro. O Facebook me mete medo. A ambição da empresa, sua falta de escrúpulos e de uma bússola moral me assustam. E isso desde o momento de sua criação: Zuckerberg digitando em seu teclado depois de algumas doses, criando um website para comparar a aparência das pessoas, por nenhum outro motivo além de sua capacidade de fazê-lo.
Eis a questão crucial no que diz respeito ao Facebook, o ponto mais importante que poucos entendem: ele faz certas coisas só porque pode. Zuckerberg sabe fazer uma coisa, outras pessoas não sabem, então ele faz. Esse tipo de motivação não funciona na versão hollywoodiana da vida, e por isso Aaron Sorkin precisou inventar para ele uma motivação ligada à aspiração social e à rejeição. Mas isso no mundo da ficção. Zuckerberg não foi motivado por esse tipo de psicologia de quintal. Ele faz o que faz porque pode, e todas as justificativas que falam de “conexão” e “comunidade” são racionalizações posteriores. O impulso foi mais simples e mais básico. E é por isso que a necessidade de crescer sempre foi tão fundamental para a empresa, cujo comportamento em muitos aspectos lembra antes um vírus que um negócio. Crescer, multiplicar-se e monetizar. Por quê? Não há um porquê. A resposta é porque sim.
A automação e a inteligência artificial hão de ter um impacto extraordinário sobre mundos de todos os tipos. São tecnologias novas, reais, e prestes a acontecer. O Facebook se interessa profundamente por essas tendências. Não sabemos onde elas vão dar, não sabemos quais serão os custos e as consequências sociais, não sabemos qual vai ser a próxima área da vida a ser esvaziada, qual o próximo modelo de negócio a ser destruído, a próxima empresa a ter o mesmo destino da Polaroid ou a próxima atividade a dar com os burros n’água como o jornalismo impresso, ou qual novo conjunto de ferramentas e técnicas poderá ser empregado pelas mesmas pessoas que usaram o Facebook para manipular as eleições de 2016. Não temos como saber o que virá, mas sabemos que há de ser momentoso, e que um papel de destaque está reservado à maior rede social do planeta. Com base no que indicam suas atitudes até aqui, é impossível encarar essa perspectiva sem algum desconforto.
[1] Quando o Google se relançou com o nome de Alphabet, a divisa “Não fazer o mal” foi substituída, no código de conduta da empresa, por “Fazer a coisa certa”.
[2] Facebook Ads é a plataforma usada pelo Facebook para gerir e direcionar anúncios.
[3] Embora Hillary Clinton nunca tenha especificado a quem se referia quando falou de “superpredadores” nessas suas declarações sobre jovens criminosos em 1996, o senador Bernie Sanders, que com ela concorria à indicação democrata no início da campanha de 2016, afirmou que o termo tinha um conteúdo “racista”, o que mais tarde seria amplamente explorado por Donald Trump nas redes sociais.
[4] Destaque para “declaradas”. Como afirma Seth Stephens-Davidowitz em seu novo livro Everybody Lies [Todo Mundo Mente], pesquisadores estudaram a diferença entre a linguagem usada no Google, onde os usuários tendem a dizer a verdade porque são anônimos e estão em busca de respostas, e a linguagem empregada no Facebook, onde projetam uma imagem. No Facebook, os termos mais comuns associados à expressão “meu marido é…” são “o melhor do mundo”, “meu melhor amigo”, “incrível”, “o maior” e “tão lindo”. No Google, os cinco mais presentes são “incrível”, “um babaca”, “um chato”, “gay” e “mau”. Seria interessante descobrir se existe algum marido que corresponda a todo o conjunto de principais atributos do Google, e seja um babaca incrivelmente chato, além de mau e gay.
[5] Um exemplo de seu trabalho é o sistema “Mosaico” da Experian, usado para caracterizar segmentos de consumidores, que divide a população em 66 segmentos, entre eles “Cafés e Redondezas”, “Elegantes de Cobertura”, “Avós Clássicos” e “Inquilinos Usuários de Ônibus”.
[6] Devo dizer que a informação é misturada e dividida (hashed) antes de ser compartilhada, de forma que as empresas envolvidas, embora saibam tudo a seu respeito e pratiquem o intercâmbio desses dados, fazem-no de forma pseudonimizada, ou sob a proteção do anonimato. Ou de forma pseudo-pseudonimizada, tendo em vista a discussão corrente sobre o quanto essa forma de anonimato é efetivamente anônima.
[7] A ideia de um preço único para todos é relativamente recente. Atribui-se a John Wanamaker a noção da cobrança de um preço fixo por mercadoria, surgida na Filadélfia em 1861. A ideia teria vindo dos quakers, para os quais todo mundo devia ser tratado de maneira igual.
[8] O estudo “O uso do Facebook, inveja e depressão entre universitários: o Facebook induz depressão?”, publicado em 2015 no periódico Computers in Human Behaviour, chegou a uma resposta negativa – exceto quando também se levavam em conta os efeitos da inveja, caso em que a resposta era afirmativa. Mas como a comparação marcada pela inveja constitui a base girardiana de todo o Facebook, esse “não”, quando qualificado, soa bem mais como um “sim”. Um artigo de 2016, publicado no periódico Current Opinion in Psychiatry – “A interação entre o uso do Facebook, a comparação social, a inveja e a depressão”, concluía que o uso do Facebook aparece ligado à inveja e à depressão, outra descoberta que não surpreenderia Girard. Em 2013, a PLOS ONE publicou o artigo “Uso do Facebook pode prenunciar um declínio do bem-estar subjetivo em adultos jovens”, demonstrando que o Facebook deixa os jovens tristes. Um artigo de 2016 na revista Cyberpsychology, Behavior and Social Networking, intitulado “A experiência do Facebook: largá-lo leva a níveis mais altos de bem-estar”, concluía que o Facebook deixa as pessoas tristes e que elas ficam mais felizes quando param de usá-lo.