Mudaram os tempos da política. Depois da ofensiva desencadeada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) contra os focos de notícias falsas e as manifestações de rua em favor da ditadura e depois da prisão de Fabrício Queiroz, de efeitos potencialmente devastadores para o governo, aconteceu a metamorfose súbita do Presidente da República.
Da incitação cotidiana ao confronto, Bolsonaro passou para o silêncio e a costura paciente, nos bastidores, de sua base parlamentar. Foi o bastante para provocar o congelamento, e até a reversão, dos movimentos iniciais de convergência das oposições em torno da bandeira do impeachment.
Há uma premissa implícita no movimento da oposição: o afastamento, pelo menos temporário, da ameaça à democracia.
Neste caso, não seria absurdo responder à imobilidade aparente do governo com a paralisia real da oposição, especialmente no que toca aos seus movimentos de convergência e articulação. Afinal, podemos todos esperar por 2022 sem a necessidade de enfrentar o peso da cooperação com adversários históricos de embates recentes.
Infelizmente, as hipóteses de conversão ou capitulação do Presidente não são plausíveis. O governo não foi derrotado pelas instituições, nem domesticado por seus novos aliados. Sequer é possível pensar uma situação de trégua implícita entre as partes. Houve recuo, mas recuo tático; na metáfora militar, o governo passou, de forma repentina, da guerra de movimento para a guerra de posição.
Na nova situação, os objetivos do governo são claros. Blindagem no Congresso Nacional; influência na mudança no comando das duas Casas; eleição de prefeitos e vereadores aliados; e construção de um ambiente mais favorável no STF, também por meio da nomeação de novos Ministros. A regra é o fortalecimento contínuo da própria posição.
A oposição, em contraste, desarvorada com a redução brusca da tensão política, parece disposta até a renunciar, por comodidade, à única arma disponível no seu arsenal: a construção, lenta e difícil, de uma ampla frente em defesa da democracia, como se a serventia dessa frente se resumisse ao ataque final do processo de impeachment.
Claro está que não se trata da construção de uma frente eleitoral ou programática. Trata-se, sim, da urgência da cooperação em torno de uma estratégia comum para o segundo turno das eleições, a renovação das Mesas da Câmara e do Senado, o exame das indicações do Presidente para o Supremo e a construção de uma primeira linha de defesa da democracia, até no seio da base governista.
A alternativa é a oposição retórica. Na prática, a espera da marcha calendário, com todos os riscos associados à inação.