Provavelmente veremos a valorização de uma vida mais simples, a ampliação do comportamento “faça você mesmo”
Mesmo com uma estimativa melhor do desempenho da economia no segundo trimestre, a maior parte das projeções para este ano está na faixa de uma queda de 6%, que também é a da MB. Nestas condições, o PIB per capita brasileiro terá caído, desde 2015, algo como 15%, ou seja, ficamos inequivocamente mais pobres e isto tem de ser bastante bem avaliado por todas as empresas, especialmente, nos mercados de bens de consumo. Genericamente, se elevará a demanda de produtos mais simples, o que já é totalmente visível no setor de alimentos.
Entretanto, devemos concentrar nossa atenção nas mudanças de comportamento que existirão após a experiência do distanciamento social que a Covid-19 impôs ao País.
Pesquisas disponíveis sugerem que as pessoas deverão alterar parcialmente suas percepções enquanto cidadãos, consumidores e trabalhadores.
No primeiro caso, provavelmente veremos a valorização de uma vida mais simples, a ampliação do comportamento “faça você mesmo” (mais matérias-primas e menos produtos finais) e o reforço à ideia de maior preservação do meio ambiente. Acredito também que o bairro e a proximidade sairão mais apreciados nas cidades grandes.
Entretanto, o confinamento e a valorização das regras de higiene aceleraram a entrada no mundo virtual, algo que já ocorria lentamente. De uma hora para outra, foi preciso aprender a trabalhar em casa, a comprar pela internet e a utilizar extensivamente os pagamentos digitais.
A experiência de consumo também se alterou drasticamente com a explosão das vendas pela internet. Estas representavam algo como 5% do faturamento do comércio, número que irá aumentar muito rapidamente. Os consumidores conheceram e navegaram em plataformas de grandes empresas, muitas das quais perseguem a estratégia pioneira da Amazon, acolhendo milhares de lojas virtuais de empresas menores. Em decorrência, a experiência de compra será diferente, com menos aquisições por impulso e com maior comparação de preços, o que resulta em menor fidelidade às marcas. Isto é uma pequena revolução nos hábitos com um gigantesco impacto nas empresas, que discutiremos mais adiante.
Finalmente, os impactos no mercado de trabalho estão sendo enormes: elevação drástica do desemprego e desaparecimento instantâneo de muitas atividades de prestação de serviço que faziam a vida de uma parte das famílias. Nunca foi tão grande o número de pessoas fora do mercado de trabalho. Por outro lado, os segmentos que melhor vêm atravessando este período (agronegócio, serviços de logística, comércio eletrônico, serviços financeiros e de telecomunicações) têm como característica comum um consistente investimento de novas técnicas, inclusive digitais, que exigem qualificações razoáveis. Com a aceleração do mundo digital, a demanda por trabalhadores mais preparados crescerá e resultará numa maior segmentação no mercado de trabalho.
Este é apenas mais um indicador do maior custo da pandemia, depois da multidão de mortos: a desigualdade do Brasil vai se elevar.
As empresas, por sua vez, também estão passando por várias transformações, particularmente pela aceleração da digitalização, da automação e da utilização de todos os tipos de serviços à distância, quer com clientes, quer com fornecedores. A mudança mais universal é o trabalho em casa, que em pouquíssimo tempo praticamente se universalizou. Após ajustes e adaptações iniciais houve um surpreendente êxito: a avaliação é que a produtividade até se elevou e muitos custos caíram. Na volta à normalidade é seguro que haverá sempre uma combinação do trabalho à distância com o trabalho tradicional nos escritórios.
Mas não é só a gestão de escritório. Muita gente, eu inclusive, se surpreendeu como houve uma rápida adaptação em áreas como compras, relacionamento com fornecedores, assistência técnica e vendas, que puderam se desenrolar com inesperada facilidade. Estas tendências claramente continuarão.
Haverá também mudanças na governança: além dos aspectos internos à empresa, nesta nova configuração, ficou claro que o relacionamento com a solidariedade na crise e o relacionamento com a vizinhança e o meio ambiente terão que ser incorporados à vida das companhias. Basta olhar a questão das queimadas criminosas na Amazônia.
Nos próximos meses, teremos muito a discutir acerca dessas mudanças. Hoje, finalizaria mencionando apenas que vai se reforçar uma divisão no mundo empresarial: uma nata bem administrada, capitalizada e moderna e um conjunto de empresas que se arrasta e busca privilégios na proteção governamental.