Faz todo sentido reformar os programas sociais do governo e caminhar na direção de sua unificação
O IBGE divulgou recentemente a pesquisa Pnad Covid que busca monitorar as condições do mercado de trabalho após a eclosão da pandemia da covid-19. Seus resultados são muito preocupantes.
Considerando o trimestre encerrado em maio, a pesquisa indica uma redução de 7 milhões de pessoas ocupadas em relação ao mesmo período de 2019. No momento, dos 170 milhões de brasileiros em idade de trabalhar, somente 83,7 milhões (49,3%) estão ocupados, segundo estimativas da instituição. Os números mais recentes do Caged vão igualmente na mesma direção. No trimestre encerrado em maio, houve uma perda de cerca de 1,5 milhão de empregos formais.
Vale recordar que no período anterior ao surgimento da covid-19, o mercado de trabalho ainda não havia se recuperado completamente do choque recessivo de 2015-2016. Vinha apresentando alguma reação, mas de maneira lenta, até porque a economia brasileira cresceu apenas cerca de 1% ao ano no triênio 2017-2019, ainda longe de se recuperar da forte queda do PIB em 2015 e 2016. Os números do Caged indicam que, no quinquênio 2015-2019, houve a perda de 1,7 milhão de vagas formais no mercado de trabalho.
Ou seja, dois impactos de alto poder destrutivo atingiram o mercado de trabalho, no curto período de apenas seis anos. A consequência dessa catástrofe em dose dupla tem sido o aumento generalizado da pobreza, não apenas pelo desemprego em si, mas também pelo aumento da informalidade no mercado de trabalho. Foram perdidos praticamente todos os avanços que o país havia obtido na década anterior, no que tange à melhora dos indicadores de renda.
Nesse contexto, trava-se no momento uma discussão sobre a necessidade de reforçar os mecanismos de transferência de renda para as famílias mais pobres, para além das medidas emergenciais que corretamente foram adotadas como resposta aos efeitos da pandemia do novo corona vírus. A ideia de se estender uma ampla rede de proteção às famílias mais vulneráveis é obviamente meritória e necessária, mas é preciso evitar a adoção de medidas voluntaristas e desarticuladas que trazem o risco potencial de favorecer quem não deve ser favorecido e de deixar de fora quem necessita da proteção do governo, além de sobrecarregar ainda mais as já depauperadas finanças públicas, caso em que o populismo triunfaria sobre a racionalidade econômica.
O caminho para se evitar más decisões de políticas públicas em relação ao tema da erradicação da pobreza e da melhora dos indicadores sociais do país exige uma abordagem holística que envolva não apenas as características e o volume das transferências diretas de renda pelo governo às famílias mais pobres, mas também a estrutura tributária do país, a composição e qualidade da despesa pública – notadamente em educação e saúde – e a existência de políticas conducentes a um ambiente de negócios propício ao crescimento econômico e à geração de emprego e renda.
Ninguém duvida que a economia brasileira voltará a crescer após o profundo vale atingido no segundo trimestre deste ano com o fechamento compulsório da economia como resposta à pandemia. A discussão que importa é se o país conseguirá voltar a crescer de forma sustentada e suficiente para gerar empregos e provocar resultados positivos sobre a distribuição de renda, e a redução da pobreza, fato que não ocorreu no triênio que se seguiu imediatamente à crise recessiva dos anos 2015-2016.
Desse modo, mantém-se imprescindível a reforma do Estado brasileiro, em suas várias dimensões. O sistema tributário precisa ser simplificado e se tornar menos regressivo. O gasto público deve perder sua rigidez, abrindo espaço para políticas mais efetivas e focadas na oferta de serviços de qualidade à população. A intervenção estatal no domínio econômico, quando necessária, não deve significar sobrecarregar a sociedade com um emaranhado de normas e regulamentos que prejudicam a economia e induzem a comportamentos oportunistas. E assim por diante. Nesse contexto, faz todo sentido reformar os programas sociais do governo e caminhar na direção de sua unificação.
Portanto, seria um grave erro abandonar a agenda de reformas que vinha sendo discutida no Congresso antes do aparecimento da covid-19. Ao contrário, os efeitos deletérios da crise pandêmica sobre a parcela mais vulnerável da sociedade brasileira tornaram ainda mais urgente sua aprovação para que haja o rápido retorno da confiança aos agentes econômicos, favorecendo o aumento do investimento e da produção. Além disso, não se deve esquecer que as consequências do esforço fiscal requerido no combate à pandemia – que vai levar o déficit primário a se situar na vizinhança dos 10% neste ano – exigem urgência na adoção de algumas das medidas postas em discussão em 2019.
Vale alertar ainda que o grande risco com que o Brasil se defronta no momento é o de que a tragédia provocada pela pandemia sirva de pretexto para a adoção de medidas que, travestidas de programas de socorro às populações carentes, não sejam nada mais do que peças de populismo econômico, cujos malefícios a América Latina experimenta há décadas.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do BC do Brasil, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo