Uma pergunta nos é feita nesta época de pandemia: como será a vida em sociedade, a economia, o trabalho, o lazer e as manifestações de cordialidade e de afeto, além de inúmeros outros aspectos de nossa rotina, quando a crise acabar?
A dúvida se justifica, diante de tantas modificações em nosso cotidiano trazidas pela covid-19. E o que nos angustia é que ainda não temos resposta, diante de um evento drástico e assustador.
Mas podemos fazer conjecturas a respeito do futuro. Sobre duas hipóteses. A primeira é o “novo normal”. A partir de agora, as pessoas procurariam isolar-se sempre que possível. As demonstrações de amizade e carinho, como o abraço e o aperto de mãos, seriam abolidas da etiqueta. Festas, comemorações, eventos artísticos e esportivos, tão importantes para a unidade social, em declínio. A busca do isolamento se repetiria no plano mundial. Teríamos de conviver com fronteiras fechadas e um nacionalismo inamistoso, além de toda sorte de preconceitos.
A globalização perderia impulso. O futuro se transformaria em algo de hostil. Seria o mundo da distopia do “novo anormal”, vida sem sonhos, propósitos, o reverso do avanço civilizatório. Viveríamos em uma sociedade feita de distanciamento e frieza.
Outra hipótese, mais provável, é que os incômodos provocados pela pandemia desapareçam com ela. Precisamos confiar no surgimento, em breve, de uma resposta científica para o vírus: a vacina. Afinal, a ciência do século 21 é poderosa, como prova a evolução da expectativa de vida. Os sistemas de saúde se fortaleceram na pandemia, que foi um alerta. Mostrou que precisamos nos preparar para eventos semelhantes, ou uma eventual segunda onda da doença.
Nesse aspecto, o “velho normal”, ou seja, a vida como a conhecemos até agora, deve predominar. O instinto gregário é próprio do homem e constitui o alicerce da sociedade.
A humanidade já passou por outros desafios graves; porém, o tecido social não se enfraqueceu. Ao contrário, a sociedade se aprimorou. Isso também é válido para os países. É possível que tenhamos, de início, uma elevação no grau do protecionismo, do nacionalismo e mais restrições nas fronteiras, mas as economias nacionais estão de tal forma conectadas e dependentes entre si que esses obstáculos para as interações internacionais tendem a cair com o tempo.
Mas a pandemia, é certo, trouxe mudanças de hábitos que permanecerão – porque são boas. Por exemplo, a maior preocupação com a higiene. O avanço do e-commerce garantiu a sobrevivência de milhares de empresas. O home office é uma realidade. Adotado como forma de preservar a saúde dos funcionários e evitar a disseminação do vírus, o trabalho em casa mostrou-se tão produtivo e eficiente quanto no escritório.
A experiência dos bancos é muito interessante. Praticamente todas as operações são feitas por canais digitais, sem comparecimento a agências. Aulas, consultas médicas, conferências – exemplos ocorrem em todas as áreas.
O que essas modificações têm em comum? Trouxeram comodidade, conforto, agilidade e economia de tempo para as pessoas. Para muitas empresas, abriram novas perspectivas. E ocorreram a partir de ferramentas tecnológicas já existentes. Ou seja, iriam mesmo acontecer. Nesse ponto, o que chamamos de “novo normal” já estava endereçado há bastante tempo.
É verdade, a crise da covid-19 trouxe perdas econômicas em escala global. Não será pouco trabalho, mas teremos êxito se tivermos foco. O primeiro item dessa agenda é o mercado de trabalho. A pandemia destruiu muitos empregos e mutilou chances de ingresso das novas gerações ao mercado. O resgate dessas perdas demanda reformas econômicas, que irão estruturar as bases de um ambiente renovado para o desenvolvimento.
A crise mostrou que é possível mudar em pouco tempo, a rapidez foi a ferramenta de adaptação a circunstâncias inesperadas. O senso de urgência é o tempo que vale, a partir de agora.
*Presidente do Conselho de Administração do Bradesco