Nunca Bolsonaro pareceu tão perto da normalidade
“A cobra vai fumar”. Essa era a mensagem nas redes sociais de várias contas bolsonaristas na noite do dia 16. Durante a manhã e a tarde daquela terça-feira, deputados, empresários e militantes virtuais haviam sido alvo de operações de busca e apreensão, no âmbito dos inquéritos que correm no STF.
O neobolsonarista Roberto Jefferson quis se mostrar bem informado: “Nossas sondagens indicam que o presidente Bolsonaro está há muitas horas reunido com o Gabinete de Segurança Institucional. Assunto GLO. Artigo 142. Deus nos abençoe a espantar os urubus”, escreveu no Twitter.
À medida que avançaram as horas, pulularam imagens de onças bebendo água, fogo de artilharia sendo preparado e imagens de um reloginho marcando tic tac. Todos pintados para a guerra, de prontidão, esperando o toque do clarim para dispararem em louca cavalgada. A defesa do presidente – sentiam – era a defesa de si mesmos, porque o presidente não deixaria seus diligentes soldados ao relento. São uma equipe.
A quarta-feira 17 começou, portanto, com a sensação de que algo muito grave ia ser anunciado pelo presidente. Logo na porta do Alvorada, Bolsonaro pôs essas esperanças por terra. Falou que estava chegando a hora de botar as coisas no devido lugar, mas deixou claro: “Eu não vou ser o primeiro a chutar o pau da barraca”.
Foi uma maneira bastante clara, para quem quis entender, que o ocorrido na véspera, por iniciativa do Supremo contra seus apoiadores, não havia sido um chute no pau da barraca. Na sequência, o presidente foi dar posse a Fábio Faria no Ministério das Comunicações, em companhia de Rodrigo Maia e Dias Toffoli, um pouco antes de o Supremo decidir por 9 a 1 que o inquérito sobre as “fake news” é legal.
Como já escreveu algumas vezes no Twitter Carlos Bolsonaro, tirem suas próprias conclusões. A quinta-feira 18 foi o dia da demissão de Weintraub do Ministério da Educação e da prisão de Queiroz.
A partir daí, é interessante observar o trabalho dos bolsonaristas em administrar as expectativas da sua militância de base. Um bom termômetro são as postagens e respostas do deputado Helio Lopes no Twitter.
Lopes perde só para Eduardo Bolsonaro em intimidade com o presidente na Câmara dos Deputados. Mas é um bolsonarista que fala pouco para fora. Em público, não entra em caneladas com adversários, busca realçar a agenda positiva do seu ídolo e dialoga sem parar com a base.
“Ninguém disse que seria fácil”, escreveu no dia da queda de Weintraub. “A distância entre a largada e a chegada é grande”, comentou. “Desistir não é uma opção” e “é importante que tenhamos fé” foram comentários feitos no sábado. “Tudo vai melhorar, mas isso demanda tempo”, “a mudança não se dará do dia para a noite” e “não podemos perder a esperança” foram outras mensagens. É conversa de quem está cedendo, e cedendo muito.
Nunca Bolsonaro pareceu tão perto de se dobrar ao modelo de um presidente normal. Em 1077, o imperador Henrique IV foi ao castelo de Canossa para encontrar-se com o papa Gregorio VII e pedir a reversão da sua excomunhão. Ir a Canossa passou a ser um jargão na política para se referir a certos rituais de expiação que um governante precisa cumprir. Talvez seja o que ocorre agora.
Clima e pandemia
A pandemia impacta a equação climática no planeta, conforme atesta o engenheiro Carlos Nobre, o mais renomado cientista brasileiro que se dedica ao tema. Há, evidentemente, menos queima de combustíveis fósseis e emissão de poluentes. Nas primeiras semanas do isolamento, houve uma queda de até 50% da poluição urbana em algumas cidades. Nobre estima que em 2020 a queda global de gases que contribuem para o efeito estufa poderá chegar a 8%.
O Brasil, contudo, é um relativizador dos efeitos paradoxalmente benéficos da catástrofe mundial. Aqui, essa emissão tende a aumentar em 2020, pela ação do desmatamento na Amazônia. O país governado por Bolsonaro, com o auxílio luxuoso de um Ricardo Salles, se converterá portanto em uma grande exceção. “No Brasil, 70% das emissões são da atividade agropastoril e do desmatamento”, comenta.
A tendência começou em 2015, quando a crise econômica do governo Dilma afrouxou a fiscalização dos órgãos ambientais. Agravou-se em 2016 por uma seca mais intensa que o normal. Houve ligeiro refresco nos dois anos seguintes e em 2019 subiu com força. “A única variável relevante é a guinada política que o país teve”, diz Nobre.
Se graças ao Brasil a redução global de queima de gases influencia menos a questão climática, é perturbador quando se pensa no que pode acontecer no sentido inverso, ou seja: na forma como modificações no meio ambiente podem produzir pandemias.
Zoonoses tendem a aparecer em situações de desequilíbrio ecológico, em que espécies de animais antes distantes fazem migrações. Convivências inesperadas com microorganismos antes isolados passam a acontecer.
Nobre não é biólogo e não sabe explicar porque a Amazônia ainda não originou nenhuma epidemia com capacidade global de propagação, mas alerta que a perturbação do bioma pode gerar consequências imprevisíveis. A Amazônia possui a maior coleção de microorganismos do mundo e é uma incógnita como essa fauna irá se adaptar à mudança de suas condições de vida.
Nas regiões polares, submetidas ao degelo das calotas, o campo é vasto para se projetar cenários catastróficos, em função do acúmulo de desequilíbrios.
O cientista lembra que Hollywood produziu bom entretenimento no passado fantasiando as consequências catastróficas que existiriam caso dinossauros reaparecessem, por algum fator disruptivo na lei natural. O perigo, contudo, está nos vírus e bactérias de milhares de anos atrás.
Eles estão congelados em camadas de terreno de forma permanente, que devem descongelar se a temperatura se aquecer. São camadas conhecidas como “permafrost”. Animais de grande porte extintos há várias eras não reviverão, mas a volta da atividade de vírus e bactérias de outros tempos é bastante factível. E não há resposta sobre o que estes microorganismos poderão provocar voltando à atividade.