Analogias entre brasileiro e autocratas mais bem-sucedidos parecem cada vez mais desproporcionais
Depois de mais uma semana de acontecimentos tirados de um episódio de “Família Soprano”, a aura de Jair Bolsonaro, que tanto intimidava no começo do mandato, nunca esteve tão abalada.
Declarar que o presidente será lembrado como uma gripezinha da democracia brasileira seria completamente prematuro. Mas as analogias entre Bolsonaro e os autocratas mais bem-sucedidos da nossa era parecem cada vez mais desproporcionais.
Tome-se por exemplo o caso do húngaro Viktor Orbán, idolatrado por Ernesto Araújo. Objeto de fascínio dos analistas políticos, o seu regime iliberal é frequentemente apontado como o destino natural do governo Bolsonaro.
Se esse for o caso, o caminho ainda é longo. Ativista político desde os anos 1980, Orbán preparou o fechamento do regime durante décadas. Criou um partido que se tornou indissociável do Estado e um império midiático para instaurar um culto à sua personalidade e mobilizar a sociedade em torno do ódio aos imigrantes.
Transformou a luta anti-soviética numa cruzada eurocética e organizou uma frente regional, atrelando graúdos como Marine Le Pen e Matteo Salvini ao seu país de 10 milhões de habitantes.
Bolsonaro comanda um partido que cabe numa planilha de Excel, a Aliança pelo Brasil. Entra em parafuso com uma investigação sobre um punhado de blogueiros e uma horda de robôs iletrados. Apoiou golpes em países vizinhos, mas nunca chegou perto de liderar o Mercosul. Precisa recorrer a truques de tiranos de araque da África do Norte e da América Central para contrabandear para o exterior o seu ministro mais assanhado.
Falando no fugitivo, a educação é o coração da batalha de todo aspirante a autocrata. Orbán desencadeou a sua revolução cultural com uma ofensiva contra a Universidade Centro-Europeia, fundada pelo seu inimigo designado George Soros. A instituição era, segundo ele, o templo do cosmopolitismo que estava arrastando a Hungria à decadência moral. Hoje, seus professores continuam ensinando, mas a partir da Áustria.
Abraham Weintraub chegou para implementar o “Future-se”, um programa de destruição do Ministério da Educação travestido em reforma neoliberal. Entregou uma montanha de medidas provisórias e portarias mal escritas, muitas delas derrubadas na Justiça.
Pretendentes a autocratas fracassados e falidos não são necessariamente mais inofensivos e impopulares do que os seus modelos.
O vandalismo barroco de Weintraub pode provocar danos tão profundos como a meticulosa subversão praticada por Orbán e companhia. Mas são danos de natureza diferente, causados por pessoas com ambições e capacidades distintas.
Há um longo debate para saber se os homens fortes definem a história ou se a história avança à revelia deles. Hoje poucos discordam que Vladimir Putin, Narendra Modi e Viktor Orbán estão escrevendo o futuro das suas nações.
Quiçá Bolsonaro virá a ganhar um lugar nesse sinistro panteão. Mas por enquanto temos de deixar no ar a possibilidade de que uma parte dos brasileiros, na sua ânsia suicida de alçar ao poder um homem forte, tenha comprado gato por lebre.
*Mathias Alencastro, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).