Fantasma do braço direito surge em meio a cerco judicial e à crise tríplice do governo
O fantasma de Fabrício Queiroz, vivíssimo num imóvel do advogado da família Bolsonaro em Atibaia (SP), ressurgiu para assombrar o presidente da República numa semana em que o chão sob seus pés foi bastante reduzido pelo Judiciário.
Até as emas do Palácio do Alvorada sabiam que esse dia chegaria, pelos relatos de aliados do presidente. Queiroz é um nome que acompanha o noticiário desde o começo do governo, pelo explosivo elo que é entre Bolsonaro e o submundo das milícias do Rio.
O presidente é amigo de Queiroz desde 1984 e terceirizou o antigo faz-tudo para o gabinete do filho Flávio, quando o atual senador pelo Rio era um deputado estadual. O resto é história: a rachadinha, os pagamentos envolvendo a família, os movimentações suspeitas e o contato com milicianos.
Bolsonaro e Flávio se alternaram entre lavar as mãos e defender Queiroz. A natureza da operação desta quinta (18) indica que eles sabiam bem mais sobre a proteção dada ao aliado.
Queiroz estava escondido numa casa do advogado Frederick Wassef, frequentador dos palácios de Brasília —ontem mesmo estava na posse de Fábio Faria (Comunicações) no Planalto. E houve batida em um escritório politico do clã em Bento Ribeiro, no Rio.
Abordado por jornalistas no aeroporto em Brasília, Wassef não quis dar entrevista, disse que falaria depois e que estava atrasado para embarcar para o Rio. Wassef não usava máscara facial, de uso obrigatório no Distrito Federal para o combate ao coronavírus.
A ação coroa uma tempestade perfeita para o presidente, que vive uma crise entre Poderes desde o começo do ano, agravada pela desorientação no combate à pandemia do novo coronavírus e a bomba recessiva que se arma na economia do país.
Após um fim de semana marcado por desafios enormes do bolsonarismo aos Poderes, com a nota ameaçadora do presidente sugerindo desobediência das Forças Armadas ao Judiciário e o ataque de radicais ao prédio do Supremo, Bolsonaro colecionou reveses.
No âmbito do inquérito sobre atos antidemocráticos, foram presos radicais bolsonaristas em Brasília na segunda (15), e houve operação e quebra de sigilo bancário contra parlamentares aliados e apoiadores do presidente, na terça.
Na quarta, foi a vez de o Supremo confirmar a validade do inquérito das fake news, que mira o coração da comunicação bolsonarista. Enquanto isso, o governo discutia entregar uma cabeça estrelada do radicalismo, Abraham Weintraub (Educação), que está sob risco de ser preso após pedir o mesmo para ministros da corte.
Ambas as investigações desaguam, em termos de protagonistas e objetivos, na ação que analisa a cassação da chapa presidencial no Tribunal Superior Eleitoral —que já compartilha dados com o inquérito das fake news, atrás de provas de financiamento ilegal da campanha de 2018.
Essa é a tríade nuclear, do ponto de vista institucional, apontada para Bolsonaro. Agora Queiroz vem completar o quadro, o qual nunca havia deixado na realidade, lembrando o que o clã presidencial fez nos verões passados.
A depender do que for extraído do antigo braço direito, o arranjo que o presidente fez para se proteger do impeachment ao angariar apoio de partidos do centrão poderá se liquefazer de forma mais rápida do que observadores poderiam supor.
A reação inicial de aliados do presidente foi de grande apreensão, por motivos óbvios. Queiroz e as palavras associados, como milícias e caso Marielle Franco, são alguns dos maiores gatilhos de irritação de Bolsonaro.
Eles citam uma ironia adicional: a prisão de Queiroz foi executada pelo Dope (Departamento de Operações Policiais Estratégicas).
A unidade foi criada no ano passado pelo governador João Doria (PSDB-SP), principal adversário político de Bolsonaro em cargo executivo e seu antípoda na condução do combate à Covid-19.
Desta vez, não houve morte a ser apontada como queima de arquivo por críticos, como ocorreu no caso do milicano Adriano da Nóbrega, outro personagem central do enredo do caso Queiroz, apanhado pela polícia baiana em fevereiro.
Por fim, uma curiosidade anedótica: Atibaia está no centro de uma apuração central para a carreira de duas figuras que polarizam o eleitorado: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, agora, Bolsonaro.
É na pacata cidade paulista que fica o sítio usado por Lula, que lhe rendeu uma condenação já em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro.
No caso atual, ainda que haja incertezas, mesmo auxiliares do presidente admitem que a situação se agravou bastante.
Pelo manual de instruções do bolsonarismo, a reação inicial será buscar mais radicalismo e mobilização de sua acossada base mais fiel. Não será surpresa se Bolsonaro sacar outros espectros, como um apoio que não lhe é unânime nas Forças Armadas, para tentar combater o fantasma dos Natais passados que lhe visitou.