“Intervenção” e “militar” estão em alta. Não só em Brasília e no noticiário político, mas na curiosidade dos brasileiros. Buscas no Google pela palavra “intervenção” bateram recorde na semana passada no Brasil. Não resta dúvida do motivo: na maior parte das vezes, a pesquisa é por “intervenção militar” e “intervenção constitucional”. O pico de interesse coincide com o vídeo do general Mourão levantando essa hipótese, e com o comandante do Exército, general Villas Boas, defendendo o subordinado na TV.
No Facebook, mídia social onde estão 8 entre cada 10 internautas brasileiros, as páginas em português que mais provocaram likes, comentários e compartilhamentos contendo o termo “militar” na semana passada foram “Mexeu com General Mourão, mexeu com toda nação” (sic) e “General Mourão, eu apoio” – aliás, o nome original desta última é “general Mourão presidente do Brasil”.
Desde as manifestações de rua pelo impeachment de Dilma, em março de 2015, o tema da intervenção militar não aparecia tão intensamente nas telas dos internautas brasileiros. Nem tantos defendiam abertamente que as Forças Armadas tomem o poder.
Vários fatores alimentam essa nostalgia militaresca: 1) abundância de notícias sobre corrupção federal sem perspectiva de punição daqueles que a população identifica como culpados, 2) desgaste da imagem do Judiciário, contaminado pela impopularidade recorde do Executivo e do Legislativo, 3) o perfil demográfico da população, da qual a maioria não tem idade para ter experimentado a ditadura militar terminada em 1985.
Somem-se as imagens de grupos de bandidos armados com fuzis disputando a bala o comando do tráfico de drogas na mais famosa favela do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que as autoridades não pagam em dia o salário dos policiais e chamam o Exército para tentar resolver a situação. Enquanto isso, ainda brilha na memória das pessoas a montanha de dinheiro atribuída ao ex-ministro Geddel Vieira Lima largada num apartamento em Salvador.
A cada assalto, bala perdida e assassinato, a onda de indignação é canalizada para o colo daqueles que, na visão edulcorada de um grupo cada vez maior de brasileiros, seriam os únicos capazes de resolver o problema – aqueles que não foram treinados para prender ou investigar, mas para dissuadir e matar. Parece a solução tentadoramente fácil para um problema complexo. Não são só os simpatizantes dos militares a comprar essa simplificação.
Na primeira manifestação de rua em Brasília contra o seu governo, Michel Temer usou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para colocar a soldadesca marchando na Esplanada dos Ministérios. Sob o regime de Garantia da Lei e da Ordem, os civis, na prática, declaram-se incompetentes e transferem aos militares poder de polícia para restabelecerem a normalidade. A cada vez que recorre à GLO, o governo Temer assume-se incapaz e vai mostrando-se mais fraco, para não dizer frouxo.
É nesse ambiente, com a indispensável ajuda de civis, que os militares interpretam livremente o caput do artigo 142 da Constituição. Pelo que dizem os generais, leem ali que “as Forças Armadas (…) destinam-se (…) à garantia (…) da lei e da ordem”. As partes suprimidas dizem categoricamente que os militares estão submetidos à autoridade suprema do presidente da República e que só poderão agir por iniciativa dos poderes constitucionais. Isso eles não leem. Nem seus crescentes seguidores e admiradores nas mídias sociais.
Quem alimenta a crença de que as Forças Armadas são autônomas e têm poder para atribuir a si próprias a missão de evitar o caos? O detentor dos poderes constitucionais que temer enquadrá-las.