No Brasil, diferentemente de países cujo governo federal atua com eficiência, a crise sanitária se agrava na mesma proporção em que se agravam os indicadores econômicos. A pandemia atingiu Brasil cerca de 1 mês após ter atingido a Europa continental e 2 meses após ter atingido a China e alguns vizinhos asiáticos. Poderíamos ter aprendido com os erros dos outros, tendo assim minimizado os impactos humanos e sanitários, reduzido os efeitos da quarentena no tempo e criado as bases para uma recuperação econômica em um futuro próximo.
Pelo contrário, as atitudes do presidente Bolsonaro criaram uma crise institucional dentro das já graves crises sanitária e econômica em curso que tendem a se prolongar, a sanitária até o final do ano e a econômica até 2021. O Brasil foi atingido pela Pandemia em uma situação fiscal frágil, as soluções emergenciais para reagir ao COVID-19 exigem necessariamente expansão do gasto público. Neste sentido, quanto mais rápido resolvermos a crise sanitária, menos dinheiro público precisará ser dispendido em socorro aos Estados e Municípios e no pagamento de Coronavaucher às famílias afetadas, ou ainda ao socorro das empresas proibidas de funcionar.
Não quero com este argumento, simplesmente transmitir a visão fiscalista de que dinheiro público não deve ser gasto, a dívida pública pode e deve amortecer o sofrimento humano durante esta pandemia, mas a ausência de uma política sanitária responsável fará com que os custos fiscais sejam maiores e menos efetivos do que seriam. Qual o problema disto? O problema é que em função disto as medidas de ajuste pós pandemia deverão ser mais drásticas do que também seriam e como já adiantamos no artigo anterior, a indesejada CPMF estará inevitavelmente presente neste pacote.
Isto é péssimo porque o Brasil sairá de uma crise e cairá em outra. Explico! Sairemos da crise do Coronavírus com um passivo fiscal entre 95 e 100% do PIB, isto terá que ser enfrentado. Também não sabemos ainda quais serão as condições políticas para resolver tal problema, isto também preocupa. O problema é que voltaremos novamente para a agenda de curto prazo, ao debate pobre sobre cortar gastos ou aumentar impostos que dominou toda a década de 2010.
Enquanto isto o Brasil continuará crescendo pouco, é possível que a renda per capita do país continue crescendo negativamente tornando nosso país, na média, ainda mais pobre. As desigualdades sociais tendem a se ampliar com os efeitos deletérios da Pandemia sobre o desemprego e a renda e com isto a exacerbação dos ânimos políticos. Pior, sairemos também mais isolados do restante do mundo, acordos que tenderiam a beneficiar em larga escala a economia brasileira como o Mercosul – UE devem ser paralisados, também sairemos desta crise mais distantes da China, do mundo Islâmico e até do Mercosul.
Um outro aspecto que certamente irá contribuir para a estagnação da economia brasileira, trata-se do gap tecnológico existente entre o Brasil e as demais economias importantes. Agendas do século XXI como o carro elétrico e uma economia de baixo carbono, a internet 5 G, a internet das coisas, big data e a utilização de algoritmos no setor de serviços entre inúmeras outras transformações que já são realidade no mundo desenvolvido, no Brasil não encontram espaço pela ausência de uma política de desenvolvimento científico e tecnológico.
Nós entraremos na década 2020 resolvendo problemas fiscais que tínhamos em 2013 enquanto a nossa defasagem tecnológica para com as economias importantes aumenta. A começar pelo desenvolvimento da vacina ao COVID-19, ao que tudo indica, estaremos mais uma vez dependentes da pesquisa desenvolvida em outros países para lidar com este assunto. Isto é ruim, porque uma política educacional e científica demora pelo menos uma geração para produzir frutos, envolve muitos mandatos presidenciais e uma cultura de política de Estado que se perdeu no Brasil entre os governos Dilma e Bolsonaro.
É bem verdade que, justiça seja feita, a defasagem educacional e científica não começou com Bolsonaro, perpassa inúmeros governos. É bem verdade também, que seu governo representa uma sensível piora neste quesito. Isto significa que além de termos um déficit tecnológico e, portanto, de produtividade com o resto do mundo, este déficit está aumentando cada vez mais e logo não teremos condições de competir em vários setores da economia em que um dia já tivemos protagonismo global.
O Brasil está à deriva, sem rumo, sem governo e sem noção de prioridades. Refém de corporações públicas e privadas. Também de narrativas políticas estapafúrdias que não encontram respaldo nos fatos, não se debate o que interessa. Éramos a 7ª economia mundial em 2010, hoje somos a 9ª, talvez em 3 anos não estejamos mais entre as 10. Não tenho otimismo sobre a inclusão de uma agenda de desenvolvimento de longo prazo para o Brasil, nossos problemas de curto prazo serão muitos e graves, devendo asfixiar todo o debate de economia, também dependem da política, que no Brasil dos últimos anos se transformou em um nó. Estamos entrando em um novo mundo, em uma nova década reféns dos nossos velhos problemas.
Benito Salomão – Doutorando PPGE UFU e Visiting Researcher VSE UBC.