Em que medida ele estreita as possibilidades de atuação eficaz no combate à pandemia e a seus desdobramentos?
Salta aos olhos que, se continuar isolado, fragilizado e acuado como está, o presidente estará fadado a enfrentar dificuldades redobradas para lidar com a pandemia e seus complexos desdobramentos socioeconômicos. Não surpreende que Bolsonaro insista em reservar posição para poder alegar inocência quando a conta desses desdobramentos chegar. Mas, se as notícias sobre a letalidade da pandemia continuarem tão alarmantes como se teme, é bem possível que o seguro que Bolsonaro vem tentando fazer, na esperança de que o custo político da recessão possa recair sobre governadores e prefeitos, acabe se revelando proibitivamente caro.
É natural que a popularidade do presidente esteja caindo, na esteira das suas dificuldades com a pandemia e a crise econômica. O problema é que, tendo aberto uma terceira frente, ao desencadear crise política tão grave, Bolsonaro se viu agora exposto a risco crescente de impeachment. O que torna o quadro ainda mais intrincado é a forma peculiar com que Bolsonaro vem reagindo à elevação desse risco. Em contraste com o ex-presidente Temer, que, a partir do episódio do porão do Jaburu, passou a pautar cada movimento seu pelo objetivo de minimizar o risco de impeachment, Bolsonaro tem se permitido reações que, muito ao contrário, parecem exacerbar tal risco e chegam até a dar margem a novas razões para impeachment.
O sequenciamento usual do impeachment envolve, primeiro, identificação de crime de responsabilidade e, a seguir, formação da coalizão requerida para aprovar o pedido de impeachment na Câmara. Mas o sequenciamento que Bolsonaro deveria temer é outro: paulatina formação de uma coalizão em favor do impeachment na Câmara, súbito movimento de manada que pareça assegurar a maioria requerida e, só então, escolha dos crimes de responsabilidade a alegar.
Bolsonaro deveria ter em conta a famosa frase do ex-presidente Gerald Ford sobre a questão que, adaptada ao caso brasileiro, pode ser expressa em português claro como “crime de responsabilidade é o que a maioria da Câmara dos Deputados entender como tal num dado momento” (“High crimes and misdemeanors” should be defined as “whatever a majority of the House of Representatives considers them to be at a moment in history”).
Apesar de suas reações irrefletidas, Bolsonaro afinal deu mostras de ter percebido o risco a que está exposto. E vem tentando se resguardar contra isso no Congresso. Mas, de novo, há nessa iniciativa claro contraste com Temer, que contava com sólida coalizão governista previamente construída, graças a uma trajetória parlamentar de sucesso, em que ocupou por dois mandatos a presidência da Câmara. O que agora se vê é algo bem distinto: um movimento tardio e um tanto desesperado de Bolsonaro para negociar às pressas, com o que há de pior no Centrão, a montagem de uma coalizão governista na Câmara que pelo menos lhe possa assegurar os 172 votos necessários para bloquear o avanço de um processo de impeachment na Casa.
Tudo indica que o risco de impeachment continuará a assombrar o presidente por muito tempo. Em que medida isso estreitará ainda mais suas possibilidades de atuação eficaz no combate à pandemia e a seus graves desdobramentos socioeconômicos?
Saberá o Planalto abandonar o cabo de guerra com governadores e prefeitos e passar a tratar com a devida ponderação as complexas escolhas envolvidas nas decisões sobre timing, formatação e flexibilidade de uma saída concertada do confinamento, com cuidadosa contraposição dos riscos de agravamento da pandemia e dos custos crescentes de aprofundamento da recessão? Conseguirá o presidente conciliar a preservação da equipe econômica com as condições do seguro contra o impeachment contratado com a pior parte do Centrão?
Respostas desalentadoras a tais indagações sugerem que é bem provável que, ao tornar o presidente ainda mais incapaz de enfrentar de forma adequada as duas grandes crises que vêm aterrorizando o País, o risco de impeachment poderá se elevar na esteira do agravamento da situação.
*Economista, doutor pela universidade Harvard, é professor titular do departamento de economia da PUC-Rio