País já falhou na epidemia; não pode falhar na democracia
Não gosto da ideia de adiar as eleições municipais previstas para o segundo semestre e considero golpe a proposta de esticar o mandato dos atuais prefeitos e vereadores até 2022.
No mês passado, num momento da pandemia ao que tudo indica mais agudo do que será outubro, sul-coreanos foram às urnas sem que o surto tenha recrudescido. É uma prova de princípio de que eleições podem ser realizadas sem pôr a população em perigo.
É claro que talvez sejam necessárias adaptações. O problema é que nossa legislação eleitoral é rígida, detalhista e não admite alterações que não tenham sido aprovadas ao menos um ano antes do pleito. Daí que sugiro aprovar desde já uma PEC que conceda à Justiça Eleitoral, em caráter excepcional, poderes discricionários para alterar prazos e eventualmente mexer em outros aspectos do pleito.
A principal dificuldade prática é o teste das urnas eletrônicas. Não me convence. Ainda há muito tempo até outubro, e não vejo motivo para não classificarmos o trabalho do pessoal dos cartórios eleitorais como essencial. Afinal, se padarias e centrais de atendimento telefônico podem funcionar, a conferência das urnas também pode.
No plano político, o obstáculo no cronograma são as convenções partidárias, que devem ocorrer entre 20 de julho e 5 de agosto. O receio é que elas produzam aglomerações. De novo, não me convence. Basta determinar às legendas que realizem seus encontros de forma remota. Há tempo de sobra para preparar isso.
Se o afastamento social ainda for necessário em outubro, a Justiça pode fazer com que a votação se estenda por mais de um dia, para evitar as filas. Obviamente, seria preciso também suspender a obrigatoriedade do voto, para que as pessoas que não se sintam seguras em expor-se ao vírus não sejam obrigadas a fazê-lo.
O Brasil já fracassou no controle da epidemia; não precisa fracassar também na manutenção da democracia.