É desnecessário discutir a conversão do conhecido sistema presidencialista de governo, em sistema parlamentarista que ignoramos. Basta alterar a Constituição, redigida para ser modificada ao sabor das conveniências dos Poderes.
Habituada ao retalhamento, a complacente Lei Superior aceitará, passiva e cansada, mais uma de longa série de emendas urdidas nos gabinetes do Congresso Nacional, com o objetivo de desviar as atenções da crise moral, social e econômica, que devasta o País.
Não bastou a opção pelo presidencialismo na Constituição de 1891, e o repúdio ao parlamentarismo nas duas vezes em que a disputa com o presidencialismo foi submetida a plebiscito. Sob o falso argumento da ingovernabilidade, senadores e deputados, cuja reeleição em 2018 corre perigo, agitam a utopia parlamentarista em artigos e entrevistas. Ao invés de reforma destinada a opor barreiras à corrupção nas altas e baixas esferas, apresentam como solução submeter o País a dois governantes: o presidente da República, eleito para ser o chefe cerimonial do Estado, e o chefe do gabinete dos ministros, indicado pela maioria no Congresso para exercer o comando efetivo do governo. Ocorre-me à lembrança a advertência do Padre Vieira ao rei de Portugal, D. João IV, em carta de 1654: “mais dificultoso serão de achar dois homens de bem que um”.
Desconheço alguém capaz de esclarecer as vantagens do parlamentarismo sobre o presidencialismo. Por força da colonização e da imigração estamos mais próximos dos portugueses e italianos do que de ingleses, franceses, espanhóis, japoneses, suecos. Nem por isso Portugal e Itália podem ser tomados como exemplos. Na Itália o sistema parlamentar de governo foi adotado desde a unificação, obtida em 1861 pelo Rei Emanuel II, e persistiu sob o regime republicano implantado pelo primeiro-ministro Alcides De Gaspari em 1946. O parlamentarismo italiano produziu Benito Mussolini, ditador fanfarrão que governou com poderes absolutos entre 1922 e 1943, lançou o país na 2ª Guerra Mundial como aliado de Hitler, foi deposto em 1945, capturado por guerrilheiros e enforcado em condições degradantes. Produziu, também, Giulio Andreotti, condenado pela Justiça Italiana por ligações com a Máfia e receber dinheiro ilícito para campanhas, e o falastrão Silvio Berlusconi. Raros foram os presidentes do Conselho de Ministros, como Aldo Moro, que permaneceram mais de 2 anos. Muitos gabinetes sobreviveram poucos dias. No parlamentarismo a instabilidade é a regra, a estabilidade exceção. Durante nosso breve período parlamentarista (2/9/1961-23/1/1963), presidiram o Conselho de Ministros Tancredo Neves (8/9/1961-6/6/1962), Brochado da Rocha (10/7/1962-14/9/1962), Hermes Lima (18/9/1962-23/1/1963). San Tiago Dantas e Auro de Moura Andrade, indicados por João Goulart, não tomaram posse. O primeiro foi vetado pela União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático (PSD). O segundo derrubado por greve decretada por sindicalistas do Partido Comunista.
Reformas políticas o Brasil experimenta desde a proclamação da República. Tentativas ocorreram em 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988, com a Constituição Cidadã. A partir de 1934 a instabilidade apoderou-se da legislação constitucional. A recordista é a Constituição de 1988, emendada 95 vezes e à espera de outras intervenções, se não for abatida por mais uma assembleia constituinte.
Ninguém quer admitir. Atrás, porém, da campanha em prol do parlamentarismo, o que temos é tentativa de sobrevivência de políticos marcados por escândalos que acreditam nos iludir com proposta do parlamentarismo mestiço, combinação insólita do presidencialismo com regime de gabinete. Até hoje não se sabe qual o figurino está no ar. Não será o inglês, por não sermos monarquia, tampouco o japonês, português ou espanhol. Importaríamos o modelo italiano? Se o presidencialismo é fracasso histórico, como afirma o senador José Serra, candidato à presidência em 2002 e 2010, quem nos garante que improvisado parlamentarismo não será pior?
O povo não é cobaia. Reduzam os partidos, selecionem os candidatos, combatam a corrupção, moralizem o Legislativo, e o presidencialismo funcionará.
* Almir Pazzianotto Pinto é advogado; foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.