É bem possível que o mundo posterior à pandemia seja pior do que o FMI projeta
A maior diferença da crise atual em relação à crise das hipotecas norte-americana, também conhecida por grande crise global (GCG) e que explodiu em setembro de 2008, é que a atual se iniciou no setor real da economia, enquanto a fonte da CGC foi o forte desequilíbrio nos bancos. Aquela foi uma crise financeira, fruto de regulação deficiente.
Assim, na crise atual os mercados financeiros foram muito menos atingidos do que em 2008. Por exemplo, a queda da Bolsa norte-americana entre janeiro de 2008 e março de 2009 foi de 52%. No evento atual, entre 12 de dezembro e 23 de março, a queda foi de 34%. Por aqui, a Bovespa caiu 60% em 2008, ante 47% no atual episódio.
Se olharmos o impacto sobre as taxas de juros, tanto no mercado de empréstimos entre bancos, também chamado de mercado de moedas, quanto no de títulos de dívida emitidos por empresas com pior qualidade de crédito, a alta no atual episódio foi muito menor do que na crise financeira global.
Apesar de o impacto no setor financeiro ter sido muito menor, aparentemente o impacto na economia real da atual crise é, na melhor das hipóteses, equivalente ao da crise anterior.
Na semana passada, o FMI divulgou suas novas projeções de crescimento econômico. A economia mundial deve recuar 3%, uma piora de cenário, em comparação ao que prevalecia antes do agravamento da crise, de 6,3 pontos percentuais.
No biênio 2008-2009 —lembremos que a crise estourou no fim de 2008—, o crescimento, com relação à tendência anterior, reduziu-se em 7 pontos percentuais.
Adicionalmente, hoje sabemos que o crescimento da economia no período logo anterior à crise de 2008 era insustentável. A crise, de certa forma, resultou dos desequilíbrios produzidos na década anterior.
Mesmo o cenário básico de FMI, de retração da economia mundial de 3% em 2020, com crescimento de 5,8% em 2021, pode ser muito otimista. Supõe que haverá devolução de boa parcela da perda do ano anterior.
Mas é bem possível que o mundo posterior à pandemia seja pior do que o FMI projeta. De fato, o próprio Fundo considerou outros três cenários, todos eles piores do que o cenário básico. Em todos eles a taxa de crescimento da economia ainda seria negativa em 2021.
Com a informação que temos agora, é muito difícil saber como será o desempenho da economia no período posterior à saída da política extrema de distanciamento social. Em algumas semanas, teremos as projeções para o desempenho da China no segundo trimestre, que poderá dar uma ideia.
Por aqui o Congresso Nacional tem trabalhado. A Câmara aprovou um pacote de ajuda aos estados e municípios. A ideia foi promover um seguro por seis meses em razão da queda de arrecadação de ICMS e de ISS que já ocorre.
Devido ao nosso federalismo truncado —os entes subnacionais não são integralmente responsáveis pelos seus atos, e, portanto, não são autorizados a contrair dívidas—, a União cobrirá parte das perdas.
Pela nova legislação, a União assegurará a receita nominal observada em 2019. O grande risco com o seguro é os estados serem estimulados a conceder desonerações, dado que a compensação será de acordo com a receita observada.
O projeto aprovado na Câmara está na direção correta, mas há espaço para aperfeiçoamento no Senado.
O professor da Universidade de Brasília José Luis Oreiro fez inúmeras críticas à minha coluna anterior em seu blog. Reagi a elas no Blog do Ibre.
Samuel Pessôa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.