Injeção de liquidez não exclui possível estímulo monetário
Muitos analistas do mercado financeiro acreditam que exista um conflito entre as medidas de liquidez e de política monetária. Ou seja, quando o Banco Central (BC) adota medidas para injetar dinheiro na economia, sinaliza que não pretende fazer novos cortes na taxa básica de juros. Essa leitura não parece correta. O BC tem enfatizado o princípio da separação entre a política monetária e a estabilidade financeira. Novas baixas da taxa básica de juros seguem em consideração. A questão é quando usar esse instrumento de estímulo da economia.
Depois de deixar o mercado sem referências durante o período de silêncio do Comitê de Política Monetária (Copom), o presidente do BC, Roberto Campos Neto, fez uma maratona de comunicação nas duas últimas semanas. Ele chamou muito a atenção para as medidas que injetam liquidez, capital e crédito na economia. Essa é a prioridade no momento. Sobre juros, disse várias vezes que, para cortar mais a taxa Selic, é preciso ter certeza de que os estímulos vão de fato se transmitir pelo mercado financeiro, chegando à economia real.
Lembrou que não se deve fazer política monetária por analogia – ou seja, não é porque os Estados Unidos cortaram os juros a zero que o Brasil deve fazer o mesmo. Campos Neto vem repetindo a tese de que países desenvolvidos, que atraem capitais nos períodos de incerteza, são diferentes de países emergentes, que registram fuga de capitais nessas circunstâncias. No momento atual, a saída de recursos estrangeiros tem sido dez vezes maior do que na crise financeira de 2008.
Isso quer dizer que a política monetária perdeu a eficácia? “Não significa que nós não acreditamos na política monetária”, ponderou Campos Neto numa live promovida pela XP. “Não que acreditamos que a política monetária não tem potência”, disse ele num webinar do Credit Suisse.
Na realidade, Campos está apenas reproduzindo a comunicação feita pelo Copom na sua última reunião. Quem quer conhecer a visão do colegiado sobre a força da política monetária na conjuntura atual deve reler a ata da reunião de março. “Os membros do comitê discutiram a efetividade da política monetária como política de estímulo à demanda”, diz o documento. “Concluíram que, embora nesse momento seus efeitos sejam limitados, os mesmos serão relevantes para acelerar a recuperação econômica, quando as restrições impostas pela pandemia começarem a arrefecer.”
A questão, portanto, não parece ser que a política monetária não tenha potência. O ponto é quando ela poderá ser útil para estimular a demanda. Nesse período de forte volatilidade e de excesso de prêmios de risco, estímulos monetários têm efeitos limitados. Podem ter até efeitos negativos, se o estímulo for mal recebido pelos mercados e se acelerar a fuga de capitais do país, com efeitos sobre o dólar.
Mas é bom notar que, embora haja uma certa obstrução na transmissão da política monetária na conjuntura atual, ela voltará a ficar operacional mais adiante. E, provavelmente por isso, Campos Neto tem enfatizado que, hoje, a agenda são as chamadas medidas macroprudenciais. “A gente está fazendo [medidas] em liquidez e capital porque a gente entende que são mais importantes neste momento”, disse ele no webinar do Credit Suisse. Por extensão, pode-se entender que cortar os juros não é o mais importante “neste momento”.
Há duas semanas, quando anunciou um conjunto de medidas que injetou liquidez e capital na economia, o presidente do Banco Central indicou que, dependendo das conjuntura, o remédio a ser adotado é diferente. “Medidas tomadas em momentos de maior turbulência têm efeitos que são diferentes de um momento em que o mercado está mais calmo”, disse. Com um mercado mais calmo, o BC teria espaço para cortar juro.
A conclusão é que, ao contrário do que muitos acreditam, o Banco Central não abandonou a lógica do regime de metas de inflação.
Aparentemente, está aguardando o momento o adequado, quando a transmissão da política monetária ganhará mais potência.
É certo que o Banco Central vai cortar os juros? O que há, hoje, é uma sinalização de manutenção da taxa básica na próxima reunião, em maio. Mas esse não é um “forward guidance” firme – num cenário de muita incerteza, o Copom está mais propenso a fazer algo diferente do sinalizado. “O comitê reconhece que se elevou a variância do seu balanço de riscos e novas informações sobre a conjuntura econômica serão essenciais para definir os seus próximos passos”, disse o comunicado do colegiado, que até agora não foi modificado pelos seus membros.
A grande variância do balanço de riscos significa que, hoje, o Copom acredita menos no seu cenário econômico central, no qual não há muito espaço para os juros caírem. Os cenários alternativos têm peso muito grande nas decisões do Copom. Tanto que, na reunião de março, o colegiado deu um peso especial para um cenário de queda mais forte da demanda, que aconselhava cortes maiores do que 0,5 ponto percentual.
Mas Campos Neto tem enfatizado riscos do lado negativo, sobretudo o de abandono das reformas e do ajuste das contas públicas. O cenário principal do BC é que, num momento em que governo e Congresso priorizam a resposta emergencial à crise do coronavírus, reformas e o ajuste fiscal ficam em segundo plano, porém serão retomados logo em seguida. Mas há uma incerteza que tem pesado na curva de juros futuros. Se o risco se materializar, o impacto deve ser mais forte, elevando inclusive o juro neutro da economia.
É dentro desse arcabouço bem convencional do regime de metas que o Banco Central deverá tomar as suas próximas decisões. As medidas que injetam liquidez e capital na economia seguem a lógica da estabilidade financeira. Campos Neto lembrou nos últimos dias que há certa relação entre uma coisa e outra, já que uma liberação de compulsórios ou uma eventual compra de títulos públicos no mercado tem implicações monetárias. Mas a tendência é que o Copom apenas procure medir os impactos das medidas na trajetória da inflação para, então, tomar separadamente a melhor decisão para os juros.