Dobra o número de casos em uma semana e total de pessoas com Covid-19 ultrapassa 20.000. Presidente volta a desautorizar discurso de Mandetta por isolamento social em visita a obras de hospital
O Brasil ultrapassou a marca de 20.000 pessoas infectadas pelo novo coronavírus neste sábado, o dobro em relação a uma semana atrás, segundo balanço diário do Ministério da Saúde sobre a pandemia. De sexta para sábado, houve uma queda nas mortes diárias ―68 óbitos nas 24 horas anteriores, uma desaceleração em relação à semana, quando chegaram a ocorrer 141 mortes em um único dia, na quinta. Entretanto, considerando o recorte de uma semana, o total de óbitos (que atingiu 1.124) é quase o triplo do sábado anterior, 4 de abril, quando o Brasil somava 432 vítimas da doença. Apesar dos números indicarem que a curva de infectados pela Covid-19 permanece em ascensão, o presidente Jair Bolsonaro voltou a ignorar as recomendações por distanciamento social, reforçadas neste sábado pela equipe técnica da Saúde.
Pelo segundo dia consecutivo, Bolsonaro reuniu aglomerações de pessoas a seu redor e, em visita às obras de um hospital de campanha em Águas Lindas de Goiás, cidade goiana próxima a Brasília, posou para fotos e abraçou apoiadores. Na sexta-feira Santa, em passeio pelas ruas da capital federal, já havia esfregado o próprio nariz antes de cumprimentar uma mulher idosa. A taxa de letalidade do vírus Sars-Cov-2 no país é de 5,4%, e o isolamento social é a principal medida para evitar a proliferação da doença.
O crescimento da curva de casos alarma as autoridades de saúde especialmente nas capitais de Amazonas, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo, por apresentarem tanto incidência quanto mortalidade muito acima de outras cidades. Na metrópole paulista, epicentro da pandemia no Brasil, o índice de mortos é de 28 por milhão de habitantes. A incidência é maior em Fortaleza, com 439 infectados a cada milhão de habitantes. O alto número de casos confirmados e as taxas de mortalidade fazem com que o Ministério da Saúde sugira o endurecimento das medidas restritivas nessas quatro capitais. “Temos preocupação principalmente com Fortaleza, Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo. São cidades que ainda não podem relaxar o isolamento social”, afirmou Wanderson Oliveira, secretário de Vigilância em Saúde. Já de acordo com o secretário-executivo João Gabbardo, um iminente colapso do sistema de saúde sublinha a importância do isolamento social. “A curva está muito próxima da nossa capacidade de atendimento. Estamos próximos de atingir nosso limite, se não fizermos alguma coisa.”
Enquanto o presidente ignora o isolamento social imposto por governadores e prefeitos, o corpo técnico de seu Governo explica que os gestores locais têm autonomia para determinar o afrouxamento ou a intensificação das medidas restritivas. “Esperamos que o relaxamento não ocorra de forma desorganizada”, disse Wanderson Oliveira, antes de reforçar a recomendação do distanciamento social por parte do ministério e descartar, ao menos inicialmente, a possibilidade de lockdown (fechamento total das cidades). “É fundamental que o isolamento social não seja relaxado para não seja preciso adotar lockdown em nenhum lugar. Quando a curva sobe muito rápido, é impossível reduzi-la, nem mesmo com lockdown. O momento é de pensar em medidas de higiene, etiqueta e distanciamento social. Elas são as únicas e mais eficientes armas que nós dispomos neste momento. Mas a decisão sobre qual ação ou caminho tomar compete aos gestores locais.”
Em São Paulo, onde Bolsonaro abriu frente de oposição declarada às medidas de fechamento do comércio decretadas pelo governador João Doria, as autoridades locais têm sofrido para alcançar a taxa de 70% de distanciamento social, considerada fundamental para que os leitos do sistema de saúde sejam suficientes para atender a população ao longo da pandemia. Segundo monitoramento realizado por meio de telefones celulares, o percentual de isolamento no Estado foi de 57% na sexta-feira. Neste sábado, militantes bolsonaristas voltaram a promover carreata no centro da capital em protesto contra os decretos de Doria. “É um desafio que implica em adesão da população. As pessoas precisam compreender que essas medidas são para proteger quem elas mais gostam, sua família e a comunidade”, afirmou o secretário nacional de Vigilância em Saúde, defendendo o protocolo adotado pelo governador paulista.
O representante do Ministério da Saúde ainda salientou a recomendação para o uso de máscaras como forma de proteção individual e mecanismo para achatar a curva de contágio por Covid-19. “Nós incentivamos as pessoas a fabricar suas próprias máscaras. Eu creio que a adesão a essa estratégia tem sido muito positiva. É um novo hábito.” Na visita à obra do hospital em Goiás, Bolsonaro chegou de máscara, assim como o ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta e o governador do Estado, Ronaldo Caiado, mas tirou o equipamento de proteção ao caminhar em direção a apoiadores e saudá-los no local. “[A orientação] vale para todos os brasileiros. Posso recomendar, mas não posso viver a vida das pessoas”, criticou Mandetta, que tem balançado no cargo por desagradar Bolsonaro.
Ex-aliado e hoje desafeto político, Caiado também lamentou as atitudes do presidente após o evento. “Não foi uma posição minha. Ele é quem deve explicar essa situação”, disse Caiado a jornalistas. Nas redes sociais, entretanto, o governador goiano agradeceu “o carinho recebido” pelo presidente. A construção do hospital de campanha em Goiás, que contará com 200 leitos de baixa complexidade, é obra do Governo federal.
Também neste sábado, a ONG internacional Human Rights Watch (HRW) avaliou que o presidente tem sabotado esforços de governadores e do Ministério da Saúde no combate à pandemia no país. “O presidente Jair Bolsonaro está colocando os brasileiros em grave perigo ao incitá-los a não seguir o distanciamento social e outras medidas para conter a transmissão da Covid-19”, manifestou a organização em seu relatório, citando, inclusive, o episódio do último dia 15 de março, quando o presidente participou de manifestação que ajudou a convocar em apoio a seu Governo, já em meio ao avanço do coronavírus pelos Estados brasileiros. “Para evitar mortes com essa pandemia, os líderes devem garantir que as pessoas tenham acesso a informações precisas, baseadas em evidências, e essenciais para proteger sua saúde. O presidente Bolsonaro está fazendo tudo, menos isso”, aponta no documento José Miguel Vivanco, diretor da Divisão das Américas da HRW.