Governo precisa da PEC do “Orçamento de Guerra”
A sobrevivência do teto de gastos da União está na dependência de uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que anteontem se incorporou ao movimento do “#pagalogo”, no Twitter. Caberá a Gilmar conceder ou não, de forma monocrática, liminar ao pedido feito pela Advocacia-Geral da União (AGU) em ação contra a lei que ampliou, de um quarto do salário mínimo para meio salário mínimo, a renda familiar per capita das pessoas que terão direito a reivindicar o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Se Gilmar conceder a liminar, o governo ainda manterá a esperança de que, ao fim desse turbilhão de gastos para o combate aos efeitos do novo coronavírus na população e nas empresas, poderá sustentar o limite constitucional para o crescimento das despesas, previstos na emenda constitucional 95/2016. Se o ministro do STF negar a liminar, já será necessário começar a discutir uma alternativa para o teto de gastos, pois ele não conseguirá absorver a despesa adicional de cerca de R$ 21 bilhões por ano com a mudança do BPC.
No dia 23 de março, a AGU ingressou no Supremo com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra o projeto de lei 55 do Senado, que, depois de aprovado, foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro. O veto foi derrubado, mas Bolsonaro negou-se a promulgá-lo, o que terminou sendo feito pelo vice-presidente do Senado, Antonio Anastasia.
O fato é que a mudança feita no BPC está em vigor (lei 13.981), as pessoas podem requerer os benefícios e o governo terá que atender, a menos que o ministro Gilmar Mendes conceda a liminar. Na ADPF 662, a AGU argumenta que o projeto infringiu uma série de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas, principalmente, dois artigos da Constituição: o 195, parágrafo 5, e o 113 do ADCT. Em síntese, a AGU pede que o STF considere a mudança inconstitucional.
O projeto que criou a renda emergencial de R$ 600 dá nova redação à mudança no BPC. Mas, pela ótica dos argumentos apresentados pela ADPF da AGU, o governo continua achando que a alteração no BPC é inconstitucional. Por isso, existe uma grande expectativa para saber se o presidente Bolsonaro vai vetar os artigos que tratam do BPC, ao sancionar a lei da renda emergencial.
O governo se apega ao teto de gastos porque espera manter o controle das despesas obrigatórias, depois que a situação se normalizar, Mas o teto está por um fio.
Estratégia
Alguém da burocracia do Ministério da Economia alertou o ministro Paulo Guedes que, para pagar os R$ 600 aos trabalhadores informais, seria necessário alterar a Constituição. Como o governo trabalha com déficit primário em suas contas, a despesa com o auxílio emergencial terá que ser coberta com a emissão de títulos, ou seja, com o aumento da dívida pública.
A explicação apresentada ao ministro mostrou que o texto constitucional só permite que o governo faça operações de crédito em montante superior à despesa de capital (investimentos e amortizações da dívida) se elas forem autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais, com finalidade precisa, aprovados pelo Legislativo por maioria absoluta. Este princípio é conhecido como “regra de ouro” das finanças públicas.
O problema é que a despesa adicional para pagar os R$ 600 não pode ser aberta no Orçamento nem por crédito suplementar, nem por crédito especial, pois isso iria estourar o teto de gastos da União. Por isso, a estratégia do governo era abrir um crédito extraordinário ao Orçamento, que não entra no cálculo do limite de despesa.
Mas um crédito extraordinário não permite, no entanto, ao governo fazer as operações de crédito necessárias para pagar as despesas com os R$ 600. Seria necessário, explicou o burocrata, aprovar a PEC do chamado “Orçamento de Guerra”, que, entre outras medidas, suspenderá a obrigatoriedade de o governo cumprir a “regra de ouro” durante o estado de calamidade pública.
Argumentou-se, inclusive, que a infração a este dispositivo constitucional poderia ser motivo para um pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. A área orçamentária e financeira do Ministério da Economia ainda é constituída, em grande medida, por técnicos que trabalhavam no governo na época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que caiu pela inobservância de regras legais e constitucionais na área fiscal.
Depois que o próprio ministro Paulo Guedes tomou a iniciativa de fazer consultas, que envolveu inclusive ouvir ministros do STF, de acordo com fontes, ficou claro que havia um certo preciosismo na avaliação do burocrata. O impedimento constitucional era aquele mesmo apontado, mas ele poderia ser contornado por uma “engenharia orçamentária e financeira”, que não seria, propriamente, uma novidade.
O custo do programa da renda emergencial de R$ 600 para os trabalhadores informais é estimado, em princípio, em R$ 50 bilhões. A solução encontrada para pagar de forma mais rápida foi a edição de uma medida provisória abrindo um crédito extraordinário de R$ 33 bilhões no Orçamento, que será custeado pelo superávit financeiro do Tesouro. Este é o montante de recursos livres que ainda resta na conta única do Tesouro. O restante do superávit financeiro é de recursos vinculados. Os R$ 17 bilhões que faltam serão obtidos com cancelamentos de outras despesas orçamentárias.
Posteriormente, o governo enviará um projeto de lei (PLN) pedindo autorização ao Congresso para fazer operações de crédito no montante de R$ 17 bilhões para recompor, por meio de crédito suplementar, as despesas que foram canceladas. Com o PLN, o governo estaria cumprindo a “regra de ouro”.
O PLN será aprovado com grande facilidade e de forma rápida, pelo que o Valor apurou em conversas com algumas lideranças políticas. O Congresso terá, no entanto, que aprovar a PEC do “Orçamento de Guerra”, pois será necessário suspender a obrigatoriedade de cumprir a “regra de ouro” durante o estado de calamidade social, uma vez que o governo ainda vai precisar gastar muito mais no combate ao novo coronavírus.