Para Armando Castelar, é mais simples depositar o dinheiro na conta dos empregados do que conceder crédito via bancos
Vinicius Torres Freire, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO – Em certos casos e condições, é melhor o governo pagar salários de pequenas empresas em dificuldades por causa do paradão da epidemia. Melhor, de qualquer maneira, que o Tesouro emprestar dinheiro por meio de bancos, diz o economista Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor da UFRJ.
Castelar tem dúvidas sérias sobre os planos de criar uma linha de empréstimos a taxas de juros baixas e prazos longos de pagamento, com fundos ofertados pelo governo, que ficaria com o risco de crédito, o qual seria concedido por meio de bancos.
“Deve ser necessário, por exemplo, manter empregos em empresas viáveis, mas sem faturamento algum na crise, pequenas e médias empresas. É mais simples o governo pagar esses salários, depositando o dinheiro diretamente na conta dos empregados da empresa, por exemplo na conta do FGTS.”
As receitas de paliativos para crise, porém, são várias e devem mudar, diz o economista. “Neste começo, o tamanho do pacote não precisa ser grande, pois famílias e empresas ainda têm reservas para lidar com a parada de, até aqui, uma semana ou duas, dependendo do caso. Com o passar do tempo, mais ajuda será necessária. Será preciso focar quem não tem reservas: famílias pobres, trabalhadores informais e micro, pequenas e médias empresas. Não acho que seja o caso de ajudar grandes empresas.”
A crise vai ser longa. Além de paliativos, o que fazer? “Agora é hora de prover uma rede de segurança. Haverá uma segunda etapa em que será adequado dar mais estímulos monetários e fiscais. Isso ocorrerá quando a crise de saúde pública começar a amainar e a economia tentar começar a reagir.”
As medidas anunciadas pelo governo são razoáveis? Pode-se fazer mais?
Em termos. O pacote parece relativamente bem focado, dirigido a fornecer liquidez a quem mais precisa nesta etapa, micro, pequenas e médias empresas, trabalhadores informais ou que podem ficar desempregados, por exemplo. O BC também está operando bem em garantir a liquidez nos mercados de crédito e ativos financeiros.
Isto posto, o tamanho anunciado até aqui do pacote reflete o fato de a crise de saúde e a quarentena ainda estarem no início, em relação a Europa e EUA. Acredito que mais recursos serão adicionados conforme o tempo passe e as reservas financeiras de empresas e famílias seja consumida.
Os trabalhadores informais, por exemplo, têm renda média bem superior a R$ 200 e seria importante ver como elevar esse valor.
Para as pequenas empresas, postergar pagamento de tributos e dívidas resolve bem. Fica faltando ajudar com os salários, e isso pode ser feito via os diversos registros, como a Rais. O problema são as empresas informais, mas aí o foco deve ser nos trabalhadores.
Fala-se em ajudar a travessia do deserto, a falta de faturamento, com empréstimos com carência razoável e prazos alongados de pagamento.
Sim, o crédito pode cumprir esse papel. A questão é que os bancos querem que o Tesouro garanta o pagamento dessas dívidas. Aí deixa de ser uma boa ideia, pois o perigo de risco moral é grande [bancos emprestarem sem critério, para quem não precisa, já que o governo fica com o risco].
Como disse, acho que a melhor solução é ajudar no pagamento dos salários em micro, pequenas e médias empresas, além de adiar pagamento de tributos. As dívidas com os bancos, estes deveriam resolver privadamente.
Os bancos têm de evitar risco de inadimplência —não vão sair daí os empréstimos da emergência. Imaginando que apenas operacionalizassem um fundo público se resolve isso?
Não penso que o Tesouro deva se envolver nisso. Só vai tirar o custo dos bancos, que precisam eles mesmos lidar com a reestruturação das dívidas que no passado concederam a essas empresas.
O crédito, nos casos em que os bancos acreditarem que se justifica, deve ser o resultado de uma análise privada de risco de crédito e retorno esperado.
Mas estava falando aqui dos empréstimos específicos, de uma nova linha com recursos públicos, que também ficariam com o risco.
Em teoria, é fácil separar as duas coisas. Na prática, separar dívida nova de dívida velha é difícil. Também é difícil de fiscalizar as condições para a concessão de crédito, como verificar se a empresa demitiu ou não.
Quais seriam a carência e o prazo razoáveis, para que as empresas aguentem o serviço dessa dívida, depois da epidemia?
Depende de quanto durar a quarentena. Se for um mês ou dois, por exemplo, me parece que três meses de carência e nove depois para pagar seria razoável. Se for mais tempo, seria necessário mais tempo. Mas não me parece que deveria passar de dois anos. De qualquer forma, como disse, crédito com garantia estatal não é uma boa ideia.
Até em páginas de jornais liberais se discute hoje “imprimir dinheiro” e doá-lo, em alguns casos. Que diferença haveria, em termos macroeconômicos (juros, inflação, dívida), fazer dívida via emissão de títulos e “imprimir dinheiro” para pagar as despesas da crise?
A crise do coronavírus reduz a velocidade de circulação da moeda e permite que se emita dinheiro (que também é dívida pública, só não paga juros) sem gerar inflação. Mas, com a volta à normalidade, a velocidade aumenta, e o risco de a inflação saltar aumenta.
Nos países ricos, a inflação está muito baixa e os governos têm tido dificuldade de fazer a inflação subir. Se isso ocorrer, terão de emitir títulos para enxugar a quantidade de moeda na economia. No Brasil, o risco da inflação é mais alto.
*Armando Castelar Pinheiro, 64, Coordenador de economia aplicada do Ibre/FGV e professor do Instituto de Economia da UFRJ; foi analista na Gávea Investimento, pesquisador do Ipea e chefe do Departamento Econômico do BNDES; é doutor em economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley, mestre em administração pela Coppead/UFRJ e em estatística pelo Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) e engenheiro eletrônico pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica).