A responsabilidade por essa solidão é inteiramente sua
Jair Bolsonaro é um homem só. Abandonado por aliados de primeira hora, esquecido pelos que se aproximaram por oportunidade, diminuído pelo Congresso, afastado por governadores e cada vez mais execrado pela maioria dos brasileiros. Com mais de 60 anos, ele deveria estar isolado socialmente para não se contaminar com o coronavírus. Mas o presidente conseguiu construir para si próprio uma ilha política que antes só foi vista durante os meses que antecederam o impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Nem Dilma, nos seus piores dias, esteve tão solitária quanto Bolsonaro hoje.
A responsabilidade por essa solidão é inteiramente sua. Bolsonaro não pode culpar o Supremo, o Congresso ou a imprensa, embora tente sempre. Foi ele que se colocou nessa situação. Sua descida para o fundo do poço foi acontecendo aos poucos, mas desde o começo deu para perceber que era uma descida inexorável. Agora, no auge da maior crise sanitária dos últimos cem anos, estamos encrencados com um presidente isolado, agitado, que produz barulho e se afasta cada vez mais da lucidez.
O pronunciamento absurdo da terça-feira, a entrevista tresloucada na porta do Alvorada e a gritaria ofensiva na reunião com os governadores de ontem mostram um homem desequilibrado, que já não consegue raciocinar livre dos preconceitos que constroem o seu caráter. Bolsonaro é um egoísta. Ele claramente não está interessado na saúde dos brasileiros. Seu negócio é confundir as pessoas, tentando colocar no colo de outros os problemas econômicos e políticos que vão resultar da pandemia que assalta também o Brasil.
Nada como um dia depois do outro
Na hora do aperto é que se conhece o coração das pessoas. Foi o que se viu com a pesquisa Datafolha que trata da confiabilidade das informações sobre coronavírus publicadas pelos meios de comunicação e pelas redes sociais. Foi um banho. Apenas 12% confiam no Facebook e no WhatsApp, contra 56% que confiam nos jornais impressos e 61% nos programas jornalísticos das TVs. Não significa que as redes sociais não são úteis nessa hora. São. Para divulgar conteúdo bem apurado e checado pelos veículos profissionais.
Não foram apenas Jair Bolsonaro e seus seguidores que atacaram a imprensa de maneira feroz e sem trégua nos últimos tempos (a Federação Nacional dos Jornalistas contabilizou mais de cem ataques do presidente no ano passado). Lula e os petistas, que negaram o mensalão e se recusaram a fazer uma autocrítica do maior escândalo de corrupção da história da Petrobras, também sonharam em calar os jornais e os jornalistas. Foi na usina de ideias retrógradas do PT que se imaginou um certo controle externo da mídia, apelido carinhoso que inventaram para censura à imprensa. Antes da revolução digital, houve até quem sugerisse proibir a importação de papel jornal.
O mesmo pode-se dizer sobre o tratamento dispensado ao Legislativo e ao Judiciário, que até outro dia eram vilipendiados pelos bolsonaristas, sobretudo os que foram às ruas pedir a volta da ditadura e o fechamento do Congresso e do Supremo. Num passado muito recente, os petistas também tomaram ruas e praças para acusar o Congresso de aplicar um golpe contra Dilma, e o Supremo, por não deter a Lava-Jato. E o que vão dizer agora ao ver os dois poderes corrigindo erros do governo Bolsonaro?
Milhares de bolsonaristas e petistas, entre outros, estariam desalentados amanhã ou depois se não fosse o grito de Rodrigo Maia e Dias Toffoli contra a MP que permitia a suspensão de contratos de trabalho e salários por quatro meses. Imaginem se não houvesse Congresso ou Supremo numa hora dessa. A MP de Bolsonaro e Guedes seria ainda mais dura. Ou alguém acha mesmo que foi um erro de digitação ou um esquecimento bobo a ausência de previsão de compensação financeira aos que tiverem seus contratos de trabalho e salários suspensos?
A atenção permanente do Legislativo, do Judiciário e da imprensa é vital para impedir as investidas antidemocráticas, autoritárias ou apenas economicistas dos governantes. Parece que a maioria agora enxerga isso.