Otimismo com o desempenho da economia despenca e governo Bolsonaro patina sem recuperar a confiança no Estado e em políticas públicas eficientes que possam atrair o investimento privado
Na segunda feira, dia 9 de março, pela manhã, depois de a bolsa já ter sido paralisada pela queda vertiginosa dos preços das ações, recebi um meme pelo WhatsApp, assim: “Aqui é o consultor financeiro VIP da sua corretora. Segue um áudio com minhas orientações para este momento de dificuldades do mercado.” Fui ouvir o áudio e era o hino religioso: segura na mão de Deus e vai, muito cantado nos enterros.
O Ibovespa caiu de seu pico histórico de 119 mil pontos, em 23 de janeiro, para 66 mil, no dia 18 de março, sinalizando desvalorização de 44%, equivalente a R$1,7 trilhão nos ativos listados em mercado aberto (Valor de 19/03).
Num mundo em que existe liquidez mais de dez vezes maior que ativos reais medidos pela métrica do PIB e o valor destes flutua de acordo com a confiança da população, o pânico da bolsa e a alta do dólar são apenas a ponta do iceberg. A crise deflagrada pela pandemia do corona vírus está apenas começando e pode evoluir na direção de um colapso das instituições internacionais de tal proporção que exija novo Bretton Woods.
Não é certo que a ação coordenada dos principais Bancos Centrais do mundo, liderados pelo Fed, possa conter o pânico dos mercados, como ocorreu com a crise de 2008, detonada pelo mercado imobiliário subprime americano. Até porque Trump é um líder que surfa, se elege e governa na onda de desconfiança nas instituições causada pela interferência das fake news na política e na economia, que também atingiu o Brasil na eleição de Bolsonaro.
Todos achávamos que viria uma recuperação cíclica até porque a agenda das reformas liberais possui apoio e uma torcida ativa bem mais ampla que os fanáticos seguidores do presidente. Em meados do ano passado, algumas vozes já se ouviam alertando para a crença excessiva no ímpeto dinâmico do setor privado, que haveria de investir pesado, confiante na solvência fiscal do pais, empurrado por juros baixos e o compromisso fiscalista do governo e da equipe econômica de Paulo Guedes.
André Lara Resende, sempre advertindo para os erros e os perigos da miopia fiscalista, convergência teórica e política que prevaleceu com força depois do impeachment de Dilma, lançou livro novo consolidando suas ideias em uma proposta de política econômica alternativa àquela atualmente conduzida por Paulo Guedes, impossível de ser confundida com a nova matriz petista ou com qualquer versão de revival nacional desenvolvimentista.
O ponto central de Lara Resende é que, sem recuperar a confiança no Estado e em políticas públicas eficientes, o investimento privado não vai deslanchar. Pior, quanto mais cortes de gastos cegos e austeridade fiscal linear numa conjuntura de estagnação, o próprio equilíbrio fiscal passa a ser ameaçado. “Se o Estado é caro, corrupto e incompetente, a solução não é asfixiá-lo”, diz André.
A crise do orçamento impositivo mostra como o debate sobre a reforma do Estado está interditado. A disputa política se resume a uma briga de rua pela captura de espaços de poder na máquina pública, cargos e controle de órgãos e, principalmente, pelo dinheiro do orçamento. A agenda das reformas, sempre apresentada setorialmente em “caixinhas”, fica como uma fraca luz no fim do túnel selvagem da operação no dia a dia da economia e da política, sem projeto nacional.
Rodrigo Maia esteve na França e falou sobre os 36 mil municípios que existem naquele país do tamanho da Bahia, que tem 470. O orçamento de investimento na França é feito por grupos de cidades, communautés des communes, e é pactuado entre deputados e senadores nacionais com os prefeitos e lideranças locais, coordenado por um representante do Poder Executivo nacional. Bem que podíamos nos inspirar e fazer o orçamento de investimento pelas 600 microrregiões do IBGE, com participação dos deputados e senadores e dos governos subnacionais. A disputa pelos R$ 30 bilhões poderia ser feita com critérios de racionalidade qualificando a pactuação política e a priorização do gasto público.
Como se sabe, o “toma-lá-dá-cá” da governabilidade brasileira continua a pleno vapor na clandestinidade, longe dos olhos do grande público. Como o inesperado sempre acontece para piorar as coisas, a pandemia do corona vírus derrubou os mercados e a economia mundial, e a vida primitiva em uma economia estagnada, sem perspectivas reformistas de verdade e sem projeto nacional, vai sendo tocada “costeando o alambrado” da crise institucional. A partir de março de 2020, essa conjuntura se desenrola em meio a uma crise mundial sem precedentes.
Delfim Netto dizia que inflação aleija, mas o que mata é crise de balanço de pagamentos. No Brasil de hoje, sem inflação, a estagnação é a doença que aleija, mas não mata. Em 2019, tivemos uma piora acentuada nas contas externas que continham erros de cálculo, mas não vejo em 2020 possibilidade mais acentuada de retorno da agenda de crise externa. Não vamos nos curar, mas também acho que não vamos morrer.
Como não jogo na loteria, minhas esperanças estão, em primeiro lugar, na vitória de Joe Biden nas eleições norte-americanas. A derrota de Trump pode ser um primeiro indicador de que a opinião pública voltou a valorizar a racionalidade, o bom senso e o equilíbrio. Aposto, também no enfraquecimento gradual da miopia fiscalista e anacrônica de Paulo Guedes até 2022. Se Rodrigo Maia aproveitar a eleição municipal para reestruturar a agenda de reformas “fora das caixinhas” pela ótica das cidades, prometo ficar mais otimista.