Carlos Andreazza: Bolsonaro corre atrás

Presidente negligenciou emergência que será tragédia para a saúde pública.
Foto: Carolina Antunes/PR
Foto: Carolina Antunes/PR

Presidente negligenciou emergência que será tragédia para a saúde pública

A pergunta é objetiva: alguém (ainda) acredita que Jair Bolsonaro esteja à altura de liderar o Brasil na empreitada de combate à Covid-19? Não será necessário responder. O próprio presidente o faz; todo o seu esforço atrasado — no qual empenha (e mascara) o governo — consistindo agora em mostrar, como numa peça de propaganda, que dá importância à pandemia. Isto depois de haver se juntado, exprimindo o leviano que é, a seus apoiadores — a doença já entre nós — em manifestação de rua.

Está correndo atrás; lançando-se numa cruzada de reversão da imagem negativa. Não será simples, contudo. Pela primeira vez em quase 15 meses, vai mal posicionado narrativamente, percebido como alguém que desdenhou do coronavírus e cujos atos —esses por meio dos quais tateia em busca do protagonismo perdido — atrapalham.

O do sujeito que não é apenas roda-presa, mas cujo parco giro propõe retrocessos. Péssimo personagem para um governante encarnar numa adversidade desta monta, tanto mais quando sua atuação é comparada à de alguns governadores. Avalie, leitor: João Doria logo posará em hospitais de campanha.

Enquanto isso, um Ministério da Economia concebido para tocar uma agenda de austeridade fiscal engatinha para ser o que talvez não possa, abrir o teto solar, botar o bolso para fora e gastar os fundos para sustentar artificialmente empregos e empregadores. O modo como se divulgou a MP 927, a que propunha a possibilidade de se suspender contratos de trabalho por quatro meses, sem apresentar — com clareza — a devida contrapartida ao trabalhador, é eloquente. O governo o fez para logo recuar — quem sabe se para reformular o texto. Não importa. O recado estava dado. Bateção de cabeça. Fragilidade.

É dinâmica curiosa, inédita desde que o bolsonarismo ascendeu como pauteiro do debate público; posição da qual nunca saíra. Até esta crise. Por exemplo: o presidente acusa — com fundamento — Wilson Witzel de decretar medidas inconstitucionais, com o que jogaria para a galera; mas é o governador do Rio, com suas canetadas extremas (muitas a darem em nada), quem ora pauta a discussão, sendo Bolsonaro o impopular desafiado pela ousadia alheia. Quem diria? Ante o ritmo das lideranças estaduais, o presidente submerge como um prostrado, a reboque dos fatos, ultrapassado (atropelado) por políticos que farejam o sangue na água.

Bolsonaro perde base social — e sabe que perde, segundo já informava a mais sofisticada modalidade de aferição tribalista: o panelaço. O vídeo em que anuncia a produção militar de cloroquina para enfrentar o vírus compõe a batalha — com muitos elementos de desinformação — por meio da qual tenta reverter a imagem letárgica. Vai piorar.

Jair Bolsonaro é uma peça de propaganda — um girassol publicitário cujo sol seria a reação positiva a seus estímulos. Um populista do século XXI, forjado no pulso das redes — animal sensível a um só termômetro: likes. As pessoas morrendo, o SUS por colapsar, o impacto na economia a projetar depressão, mas o presidente ora desesperado — numa agonia meramente marqueteira — por convencer o eleitor de que dá gravidade àquilo que chama de gripezinha.

Não será fácil — insisto. Não depois de haver se comportado como um sociopata ante a doença mortal. Bolsonaro cometeu grave erro político. Negligenciou uma emergência que será uma tragédia para a saúde pública. Fez aposta equivocada. Botou todas as fichas no que seria uma epidemia superdimensionada, repercutida por uma imprensa interessada em plantar histeria — e ainda trucou. Até que começaram a morrer brasileiros. Tomou um susto. Desde então, é o reacionário movendo-se reativamente.

Ocorre que Bolsonaro não é apenas um populista, mas um populista autoritário: um ressentido gerador de conflitos — alguém que necessita de inimigos.Vai radicalizar. Há perigo golpista aí. Ele precisa, é da natureza, dar respostas firmes que o recoloquem à frente no jogo — e resposta firme de autoritário é testar avanços da casa autocrática.

À cata de reaver o papel principal na trama, o bolsonarismo já forjou um confronto — uma irresponsabilidade — com a China. Não colou. Antes, já sob o alastrar da Covid-19, atentara contra a Justiça Eleitoral, acusando fraude na eleição de 2018. Teria provas. Nunca as apresentou. À luz do que arma Órban na Hungria, e considerando que os governadores têm empregado medidas de exceção em seus estados, não se pode descartar a hipótese de que o presidente decrete, para mostrar força, algo como um estado de sítio — uma forma de entrar em choque com o Congresso, dado que o Parlamento jamais avalizaria um ato com tal musculatura discricionária.

Estado de calamidade. E de atenção. Bolsonaro não é líder à altura do desafio — respondo. Que as dúvidas a respeito não sejam dissipadas da pior maneira.

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