Após confirmação de óbito por doença, Ministério da Saúde traça cenário duro para os próximos meses. Testes são racionados para pacientes graves
Após a confirmação da primeira morte por coronavírus no Brasil, o Ministério da Saúde desenha um cenário duro para os próximos meses nos país. Apesar do comportamento errático de Jair Bolsonaro com respeito à pandemia, o Governo Federal vai pedir ao Congresso o reconhecimento de estado de calamidade pública para poder gastar além do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal e atender à situação emergencial. O cenário que se desenha no país é grave. “Vamos passar 60 a 90 dias de muito estresse”, diz o ministro Luiz Henrique Mandetta, em um recado claro ao país nesta terça-feira.
O número de casos suspeitos quadruplicou no Brasil de segunda para terça e há pelo menos 291 casos confirmados pelo Ministério da Saúde. No balanço dos Estados, ainda em processo de notificação, o número de casos já passa de 300. Ao menos 28 pessoas estão hospitalizadas pela Covid-19, e a projeção das autoridades de saúde é de que o número de pacientes que precisam de cuidados intensivos nos hospitais deverá dobrar a cada três dias. A perspectiva é de que apenas em setembro a situação deva começar a voltar ao normal.
A rápida escalada da doença tem esgotado sistemas de saúde sólidos em vários países. No Brasil, o Governo já vinha atuando para reforçar leitos de UTI, equipamentos e profissionais, gargalos crônicos do SUS. Mas agora trabalha para atuar em cenários ainda mais drásticos. Considera, por exemplo, ter de adaptar contêineres e escolas para funcionarem como unidades de saúde, caso o sistema que já atua no limite colapse. Os testes para diagnóstico também já começaram a ser racionados, com prioridade para pacientes em estado grave. O Governo deve continuar medindo a disseminação do vírus pelo país por amostragem.
É este o panorama com o qual trabalha o ministro Mandetta, que tem pedido diretamente o envolvimento da sociedade com ações de prevenção e distanciamento social, uma forma de desacelerar o contágio e dar tempo para que o sistema de saúde se recupere e consiga tratar seus enfermos. Nos Estados, no entanto, a situação ainda varia enormemente: apesar de a maioria das instituições de ensino ter cancelado as aulas no Rio e em São Paulo, as duas maiores metrópoles do país ainda têm comércio funcionando e empresas resistindo a adotar esquemas de home office ou escalonamento de pessoal.
Embora ainda não seja possível traçar padrões muito claros de como o coronavírus se comporta num país do hemisfério sul como o Brasil e haja muitas perguntas em aberto sobre o Covid-19, o Governo prevê um período mais agudo de infecção pelo menos até o mês de julho, com números espirais ascendentes. A partir daí, espera que os casos de contaminação voltem a um patamar mais lento de propagação. “Desde que a gente construa a chamada imunidade em mais de 50% das pessoas”, pondera o ministro. Este período deverá ser marcado por situações inéditas e desgastantes, inclusive com a determinação de medidas para reduzir ainda mais o fluxo de pessoas e, consequentemente, o ritmo da contaminação. Os gestores poderão impor quarentenas e bloqueios, prevendo inclusive coerção policial e punições, algo bem mais forte do que as recomendações que governadores e prefeitos já iniciaram ao suspender aulas, estabelecer novas regras ao transporte público e desencorajar eventos.
“Nós teremos aí em torno de 20 semanas, a partir do surto epidêmico, que serão extremamente duras, para as famílias, para as pessoas. Cuidem dos idosos, é hora de filho e filha cuidar de pai, mãe, avó, tia-avó. É preciso ter muito claro que devemos ligar para perguntar como está, mas não levar sistematicamente muitas crianças, que são assintomáticas”, apela Mandetta. O ministro pediu diretamente a solidariedade da população para se proteger. “Quanto menos idosos tivermos com o coronavírus, menos pressão colocaremos nos leitos de CTI (Centro de Terapia Intensiva)”, explica. As medidas envolvem desde a ação direta do familiar no cuidado com os idosos, que integram o grupo de maior risco, até cuidados especiais dos profissionais de saúde, que devem dar receitas para medicações de uso contínuo válidas por seis meses, evitando assim que o idoso precise visitar o serviço médico.
Paralelamente, o Governo passa a se preocupar com ações mais extremas para garantir o atendimento a pacientes durante o pico que deve chegar em breve. Além da previsão de contratar 5.800 médicos de forma emergencial pelo Mais Médicos e do horário extendido para postos de saúde, o Governo treinará estudantes de medicina que estão no último ano de graduação. A ideia é que eles possam atuar no atendimento de menor complexidade, com a supervisão de profissionais graduados. O Ministério da Saúde destaca que é importante aumentar a força de trabalho jovem na linha de frente, já que eles têm maior capacidade de recuperação caso sejam contaminados. Por isso mesmo, médicos aposentados não estão sendo considerados neste momento para atuar na crise. “Nós iniciaremos a capacitação de médicos de outras especialidades, mais jovens, que se recuperam mais rápido em contato com o vírus”, afirma Mandetta.
Contêineres, escolas e outros edifícios também poderão ser adaptados para funcionar tanto no atendimento primário (aquele dos postos de saúde) quanto em caso de internação de pacientes que não precisam de cuidados intensivos. Assim, hospitais poderão ir adaptando sua estrutura ao máximo de leitos de terapia intensiva (os leitos de UTI), onde precisam ser tratados os pacientes mais graves, quase a totalidade deles com uso de ventiladores mecânicos para ajudá-los a conseguir respirar. Essa demanda pode crescer exponencialmente, já que o paciente com coronavírus permanece em média o dobro de tempo do paciente comum na UTI. “Não há nenhum Estado da federação hoje que não esteja tendo sua capacidade aumentada. Vamos precisar de mais, muito mais”, diz Mandetta.
Os testes para diagnóstico também começam a ser economizados. Eles são priorizados para pacientes hospitalizados, que têm quadro clínico respiratório mais grave. A verificação de circulação do vírus nas cidades continua sendo feita por amostragem, com testes executados de maneira aleatória nas chamadas unidades de sentinela. Na China, infectados não diagnosticados aceleraram a explosão. Para tentar reduzir danos, o Governo anunciou um chamamento público para tecnologias para ampliar a capacidade de fazer testes do novo coronavírus, mas avaliará a contratação de testes com base na qualidade deles. Ou seja, pode demorar.