O que o governo busca com suas palhaçadas é tapar a visão do futuro. Ninguém sonha com as roubalheiras pretéritas
Na semana em que foi divulgado o PIB do primeiro ano de governo Bolsonaro as reações foram estranhas. Bolsonaro não quis responder sobre o tema. Passou a tarefa para um humorista oficial, que distribuía bananas para os repórteres.
Brasília se parece cada vez mais com cenários de realismo mágico, como a cidade de Macondo na obra de Gabriel García Márquez.
Se ouvi bem, Bolsonaro e o humorista perguntavam o que é PIB. Na verdade, houve e sempre haverá um debate sobre a precisão do PIB como instrumento de medida do crescimento do país.
Mas a forma de peguntar, com a banana na mão, indica que tanto Bolsonaro como o humorista chapa-branca não têm a mínima ideia do assunto.
Perguntem ao Posto Ipiranga. Paulo Guedes, que responde pela fantasia do Posto Ipiranga do governo, afirmou que o crescimento do PIB não era preocupante: o Brasil estava no rumo certo e iria crescer mais em 2020.
Mas e o coronavírus, a China? — alguém perguntou. Guedes minimizou os efeitos da epidemia: os chineses não vão deixar de comer, logo continuarão comprando.
As coisas não são bem assim. Quando apertam, não se deixa de comer, apenas come-se com moderação. E os efeitos do coronavírus na economia transcendem a um impacto na venda de alimentos: significam uma desaceleração global. Compreendo que é preciso combater o pânico e não dramatizar o impacto econômico do vírus. Mas é necessário reconhecê-lo, trabalhar com as evidências.
Se um ministro não reconhece isto, algumas pessoas podem entrar em pânico. Não sei se esta frase tem algum sentido num país em que Bolsonaro se apresenta ao lado de um humorista vestido com a faixa presidencial, distribuindo bananas.
Nos trópicos, a própria ideia do pânico precisa ser reavaliada. São necessários muitos acontecimentos bizarros para as pessoas acharem que algo está diferente. Um deles são as manifestações de governo e oposição marcadas para o fim de semana. O vírus apenas começou a se propagar no Brasil, ao que tudo indica. Ainda assim, convocar grandes manifestações é algo que parece absurdo aos países europeus que precisamente tentam evitar grandes concentrações humanas.
Bolsonaro tem sua história ligada à banana. Cresceu no Vale do Ribeira, onde se produz muita banana. Fazia solitários discursos contra a importação e parecia se importar muito com a causa dos bananeiros nacionais.
Num determinado momento, ele esqueceu a banana real e adotou a simbólica, acenando-a para jornalistas. Agora, decidiu unir a banana real à simbólica e terceirizar a tarefa de debochar dos repórteres. O sonho de Bolsonaro é ser presidente numa república de bananas. Ele se comporta como se quisesse conduzir o Brasil nesta direção. Na verdade, uma república de bananas não é só pitoresca, mas essencialmente autoritária.
Muitos apoiadores dizem: Bolsonaro faz tudo isso, mas não se rouba como antigamente. Dificilmente se roubará como antes, depois da Lava-Jato. Isto não é mérito dele.
Outros dizem: apesar de tudo, o país está crescendo. Mas esta semana vimos que, a julgar pelo PIB, que não é um modelo de exatidão, o Brasil não cresce como propagam os defensores do governo.
Tudo o que resta, no momento, é nos assombrar com o passado. O passado é cheio de fantasmas, mas não há evidências de que queremos voltar a ele.
O que o governo está buscando com suas palhaçadas é tapar a visão do futuro. Ninguém sonha com as roubalheiras pretéritas, poucos acreditam em implantar um socialismo no Brasil.
As aspirações são apenas de um governo decente, que cumpra suas tarefas e tenha uma relação séria com a imprensa ao comunicar suas ideias ou pretensões. É ilusório o esforço de nos convencer de que as alternativas são a roubalheira do governo anterior ou a incompetência e o deboche do atual.
As circunstâncias da globalização e a própria decadência dos estados nacionais não nos permitem sonhar com um governo que realize tudo o que promete. Ele simplesmente não tem poder para isso. No entanto, a habilidade de usar os poucos recursos que existem para atenuar problemas, resolver outros menores — tudo isso está ao alcance de um governo nacional.
As bananas na porta do Palácio são apenas um ato de desespero de quem não está entendendo nada e supõe equacionar a realidade com piadas de mau gosto.