O episódio do acordo depois desfeito e refeito em torno das emendas deveria ensinar o governo que ele precisa acertar sua negociação política, que ainda não disse a que veio
Afinal, para que são as manifestações convocadas para o dia 15? Elas começaram a ser gestadas como resposta ao chamamento do general Augusto Heleno, que chamou os congressistas de “chantagistas” por terem se assenhorado da destinação de cerca de R$ 30 bilhões do Orçamento.
Nunca um número de veto presidencial ficou tão famoso. Pessoas que nunca leram um projeto de lei passaram a fazer tuítes pela manutenção do veto 52.
Agora: se o governo tinha a força da rua e do argumento, por que negociou o envio de um Projeto de Lei (PL) do Congresso Nacional renegociando a divisão de parte dos R$ 30 bilhões com o mesmo Legislativo que antes era chantagista?
Jair Bolsonaro, com seu desapego aos fatos, foi logo para o Twitter posar de vencedor e durão. “Não houve qualquer negociação em cima dos 30 bilhões. A proposta orçamentária original do governo foi 100% mantida.” Como ele explica o PLN então?
Agora que o acordo foi feito, setores do governo tentam manter as ruas mobilizadas. Depois de o próprio presidente mandar por WhatsApp vídeos convocando para os atos, foi a vez do ministro Paulo Guedes (Economia) usar encontro com movimentos como Nas Ruas e Vem pra Rua para pedir que as manifestações se transformem em atos pró-reformas.
Ele mostrou aos organizadores dos atos um cronograma de reformas e disse que tem só 15 semanas para “mudar o Brasil”, numa referência ao semestre legislativo que se encerra em julho.
Acontece que o cronograma é irrealista – algumas reformas que constam ali, como a administrativa, nem foram mandadas para o Congresso ainda.
Numa só semana de julho o ministro estima votar a PEC 188 (do pacto federativo) em segundo turno no plenário da Câmara, a reforma tributária em segundo turno no plenário do Senado, a reforma administrativa no plenário do Senado e o projeto de lei 6407 (que muda o marco para o gás natural) no plenário do Senado. Não vai rolar.
Guedes chegou a se emocionar ao relatar dificuldades para os integrantes dos movimentos. A eles, a estimativa de “15 semanas” soou como um ultimato. Aliados do ministro garantem que não há prazo para que a agenda da Economia seja implementada, e que o “posto Ipiranga” continua plenamente abastecido.
Diante de uma ferida ainda não cicatrizada entre governo e Congresso, e com a evidência de que Bolsonaro cantou de galo para seu público, mas fechou um acordo com os políticos que chama de “velhos”, será um risco convocar as ruas, mesmo que com pauta “a favor”.
Isso porque o chamado sempre será entendido como licença para malhar o pixuleco do Rodrigo Maia (DEM-RJ), e não para pedir em uma só voz por reformas que ninguém sabe do que tratam ou que o governo nem conseguiu endereçar ainda.
O episódio todo do acordo depois desfeito e refeito em torno das emendas deveria ensinar o governo que ele precisa acertar sua negociação política, que ainda não disse a que veio. Não será possível apagar incêndios um atrás do outro, e o passivo acumulado em episódios como esses é absolutamente desnecessário.
Mais: apelo a instrumentos permanentes de democracia direta num governo que é usina de crises e com a economia se recuperando devagar pode ser um tiro no pé. Afinal, até ontem os mesmos generais que hoje conclamam as pessoas a saírem de casa viam o risco de golpe caso elas ousassem ocupar as praças para contestar o governo, como ocorria no Chile. O que poderia ensejar até medidas de exceção como um novo AI-5.
É preciso deixar de lado as convocações e governar. Se a agenda são as reformas, que Guedes cobre o presidente que envie a administrativa e que diga qual tributária vai defender. As ruas não só não têm nada com isso como só vão atrapalhar o necessário entendimento.