O comportamento de Bolsonaro fez aumentar a ousadia dos invasores de terras indígenas. “É uma época de retrocessos”, afirma o ex-ministro Carlos Ayres Britto
A retórica de Jair Bolsonaro e a omissão de Sergio Moro fizeram aumentar a ousadia dos invasores de terras indígenas. Na sexta-feira, um deputado serrou a corrente que protegia o território dos kinja em Roraima. No norte do estado, garimpeiros voltaram a levar máquinas pesadas para a reserva Raposa Serra do Sol.
Os criminosos têm atuado à luz do dia, sem medo de represálias da Funai ou da Polícia Federal. Em alguns casos, a crença na impunidade é tamanha que eles se sentem livres para filmar e divulgar as ações ilegais.
Foi o que fez o deputado estadual Jeferson Alves. Na sexta, ele convocou fotógrafos e cinegrafistas para registrar sua performance na BR-174. Diante das câmeras, ligou uma motosserra e destruiu o bloqueio que protegia a terra indígena Waimiri Atroari.
Há cerca de 40 anos, a rodovia é parcialmente fechada à noite para reduzir riscos de atropelamento. O trânsito permanece livre para ônibus, ambulâncias e caminhões com carga perecível. Mesmo assim, fazendeiros e empresários insistem em derrubar o bloqueio.
“Presidente Bolsonaro, é por Roraima, é pelo Brasil, não a favor dessas ONGs”, bradou Alves, exibindo a corrente rompida como um troféu. Na internet, o deputado se apresenta como um político “temente a Deus e aos princípios bíblicos”. Em dezembro, ele debochou da Justiça Eleitoral ao promover um show com sorteio de panelas, geladeiras e carro zero.
O clima de vale-tudo se estende a Raposa Serra do Sol, cuja demarcação foi combatida por Bolsonaro e pelo general Augusto Heleno. Depois de mais de uma década, a reserva voltou a ser invadida para a instalação de um garimpo ilegal de larga escala. Ouvido pela “Folha de S.Paulo”, o macuxi Edinho Batista de Souza vinculou o crime ao projeto do governo que libera a mineração em terras indígenas. No início de fevereiro, o senador bolsonarista Chico Rodrigues visitou a região para apoiar os infratores.
Em 2009, o Supremo Tribunal Federal confirmou a demarcação contínua de Raposa. Relator daquele processo, o ex-ministro Carlos Ayres Britto diz que o governo federal não pode continuar de braços cruzados diante das invasões. “A Constituição está sendo desrespeitada de forma petulante e inadmissível. A União tem o dever de sair em defesa das populações indígenas”, afirma.
Para o jurista, as ações do governo estão “em rota de colisão” com os direitos dos índios. “O presidente não tem demonstrado conhecimento de causa. É uma época de retrocessos”, lamenta.
———
O medo da derrota nas urnas produziu uma mutação em Marcelo Crivella. Ex-aliado do PT, o prefeito do Rio virou bolsonarista desde criancinha. A sete meses das eleições, ele tem rastejado pelo apoio do presidente. Na sexta-feira, o bispo apelou aos céus para bajular o capitão. Em vídeo divulgado nas redes, pediu que “Deus dê forças ao nosso presidente” no embate com o Legislativo e o Judiciário. Ministro da Pesca no governo Dilma Rousseff, Crivella reclamou da imprensa e tratou os ataques ao Congresso como “questões menores”. Sem corar, aproveitou para elogiar a “personalidade irradiante” de Bolsonaro.