Crise das emendas nasce da falta de diálogo entre governo e legislativo, com articulação eficiente e base de maioria estável
A crise das emendas, que teve o episódio do descontrole do general Augusto Heleno, nasceu das falhas na articulação política e da falta de coalizão no Congresso. Foi combinado com deputados e senadores que parte das despesas dos ministérios integraria a lista de emendas parlamentares, mas isso criou a situação surreal de ministros terem que pedir ao relator do Orçamento para efetuar gastos já previstos. Na área econômica, não se sabe quem fez esse acordo e permitiu que R$ 15 bilhões dos recursos de vários ministérios tivessem que ser liberados pelo parlamento.
As emendas parlamentares de R$ 16 bilhões seriam impositivas mesmo, e estava tudo certo sobre isso. Eles quiseram aumentar o valor. O governo negociou que outros R$ 15 bilhões seriam oficialmente emendas, mas eram despesas previstas do Ministério. Começou o ano e vários ministérios tiveram dificuldade na execução do Orçamento. Veio o veto do presidente, mas sem base organizada, sem coalizão, o risco de derrubar o veto é sempre alto.
O presidente não tem base para evitar que derrubem o seu veto, os ministros estão com despesas já previstas que precisam da aprovação do relator do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE). Com algumas áreas, como no Ministério da Educação, o diálogo com o Congresso não existe. As despesas de janeiro serão baixas não por mérito do ajuste, mas por causa desse nó cego. Tudo isso nasce exatamente da falta de diálogo institucional entre o governo e o legislativo, através de uma articulação eficiente e da formação de uma maioria estável.
O governo Bolsonaro vende para a população a falsa ideia de que não fez o toma lá, dá cá e que a sua é uma administração virtuosa e não aceita pressão dos políticos. É mentira. Houve sim o loteamento anárquico. Nacos da administração foram distribuídos por alas. A fundamentalista, a evangélica, a olavista, os militares, os ruralistas, os defensores das armas, os filhos, os amigos. O mérito, no sentido da qualificação, passou longe, do contrário não haveria um ministro como Abraham Weintraub. Os cargos de outros escalões foram negociados de forma dissimulada a diversos grupos de parlamentares, mas não se construiu uma coalizão formal. Por fim o presidente rachou o seu próprio partido.
O ex-chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni, apesar de ser pessoa do Congresso, atrapalhava mais do que ajudava. Depois, o presidente chamou os militares para um trabalho distante do seu treinamento. Alguns se esforçam e têm espírito democrático, como o general Eduardo Ramos, mas nem sempre avançam neste terreno minado que virou a relação entre o Executivo e o Legislativo. A equipe econômica ouve os pedidos de socorro dos ministros que não conseguem gastar o que está no Orçamento ou enfrentam dificuldades inesperadas.
Uma delas bateu no Ministério da Ciência e Tecnologia. O ministro Marcos Pontes achou que estaria a salvo de problemas se conseguisse que todo o seu orçamento fosse obrigatório e livre do contingenciamento. Pressionou internamente e conseguiu. Agora, ele está com dinheiro que ficou do ano anterior, mas não pode liberar para gastos não obrigatórios. O orçamento brasileiro tem muitas armadilhas.
O diálogo era a única saída. Mas o comportamento do presidente Bolsonaro, com sua “falta de compostura e noção da dignidade do cargo”, como bem definiu o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), contaminou o governo. O general Augusto Heleno é um reflexo. Piorou com o tempo, como disse o deputado Rodrigo Maia. Suas postagens com xingamentos, acusações a jornalistas e a instituições já haviam provado que ele não seria o moderador. A fala captada esta semana mostra que ele acha que o governo está sendo chantageado pelo Congresso e em reunião interna comprovou sua face autoritária ao propor manifestações contra o Congresso.
Quem tenta entender a razão de toda essa briga descobre esse acordo sem pé nem cabeça na execução do orçamento. E ele nasce da falta do que é básico em um sistema multipartidário. Quem não tem maioria negocia a formação de uma coalizão. É elementar na política. Isso só será corrupção dependendo da moeda para obter o apoio. Bolsonaro exerceu seu mandato de deputado aos gritos. Quer governar aos gritos. Não será possível.