Será que os partidos tradicionais, em vez de serem meras correias de transmissão das necessidades e desejos das pessoas, se transformaram em donos e senhores dos mesmos?
Em meio à crise da política em nível mundial e especificamente aqui no Brasil, surge uma pergunta difícil, mas necessária: os partidos políticos ainda servem para sustentar a democracia, ou estão virando um estorvo? E, neste caso, como a participação dos cidadãos no governo dos povos poderia mudar e ser mais representativa?
Neste momento, o Chile, por exemplo, está sendo um laboratório mundial que pôs em carne viva, com suas grandes manifestações de protesto contra as injustiças sociais, a fragilidade das instituições políticas e especificamente dos partidos. Conforme noticiou este mesmo jornal, os partidos políticos no Chile estão perdendo milhares de filiados, e hoje só um pequeno percentual da população acredita neles como instrumentos para manter viva a democracia. Será que os partidos tradicionais, em vez de serem meras correias de transmissão das necessidades e desejos das pessoas, se transformaram em donos e senhores dos mesmos?
O crescimento, por exemplo, dos movimentos autoritários e de ultradireita no mundo todo não terá a ver com a crise dos partidos tradicionais, incapazes de representarem os novos problemas que surgiram na sociedade? Terá envelhecido a própria estrutura dos partidos, cada vez mais afastados da realidade das pessoas, sobretudo as mais marginalizadas?
No Brasil, é sintomática a crise que sacudiu, por exemplo, o Partido dos Trabalhadores, que deixou de ser um dos mais modernos e vitais da América Latina, com grande base popular, para se ver envolvido numa crise existencial, porque seus dirigentes se apropriaram do partido e até se corromperam, transformando-se em meras empresas e incapazes de dar lugar a uma geração mais jovem. E não só o PT, mas também muitos outros aos quais de nada serviu mudar de nome na tentativa de renová-los. São disfarces inúteis, que pouco servem para deter o grave câncer que os corrói.
Daí os cientistas políticos se perguntarem hoje em dia se os partidos já não terão concluído sua missão e se não estaríamos necessitados de criar novos organismos de representação dos cidadãos, capazes de responder às mudanças planetárias às quais está fadada a humanidade.
Cabe perguntar se é possível que a vida política e suas novas exigências continuem sendo regidas por velhos partidos, hoje fossilizados e burocratizados. De fato, nada no mundo é para sempre e definitivo, e o Homo sapiens precisa abrir horizontes e procurar respostas e soluções aos problemas novos que se apresentam.
Se a democracia em todo o mundo começa a estar em crise, não é só por estarmos renunciando aos valores de liberdade que tínhamos conquistado. Talvez seja, na verdade, que os velhos conceitos de convivência que nos regiam se tornaram insuficientes por não encarnarem os problemas novos que a sociedade confronta.
Os partidos parecem incapazes de dar resposta aos novos e assustadores problemas da neurociência, da neurotecnologia, da revolução planetária das comunicações e da transformação do trabalho, que estão mudando os antigos paradigmas da existência.
E o que criticamos nos partidos serve também para as outras instituições que foram até aqui os pilares firmes das democracias no mundo, como os Parlamentos, os Governos, os Poderes Judiciários e os sindicatos. Parlamentos que já mal representam a nova sociedade que está surgindo. Parlamentos que foram comprados por partidos que deixaram de ser correias de transmissão dos problemas da sociedade e se tornaram máquinas de fazer votos e grupos privilegiados de poder à margem dos gritos de uma sociedade que exige mais.
Os Parlamentos e os Governos foram por sua vez transformados em fábricas de privilégios pessoais, ferindo os cidadãos que lutam para sobreviver. Junto a eles, um Judiciário burocratizado e gigantesco, com seus processos eternos e seletivos e com o Supremo Tribunal Federal que, de fiador indispensável da Constituição, corre o perigo de se transformar em uma instância a mais de deliberação judicial, onde seus magistrados perdem tempo e dinheiro para decidir, por exemplo, se um cidadão que tinha roubado 28 reais, e inclusive os havia devolvido, devia ser condenado ou absolvido, como acaba de acontecer aqui no Brasil.
São sistemas judiciais que deveriam ser ágeis e em sintonia com a consciência popular e que acabam virando máquinas gigantescas de burocracia, afastadas do sentido comum. Instituições judiciais que no parecer dos cidadãos servem mais para proteger os políticos, os ricos e os poderosos.
E os velhos sindicatos? Que sentido fazem num mundo em que o trabalho está sofrendo uma transformação total, em que o problema já não é mais a defesa dos que trabalham, considerados privilegiados, e sim dos desempregados e sem esperança de conseguir trabalho?
Não, não acredito que estejam hoje em crise no mundo as essências da política criativa, ligada estreitamente à evolução da sociedade e de suas ânsias de bem-estar e felicidade. Uma humanidade nova, como a que está surgindo em todo o planeta, necessitaria de respostas e soluções criativas capazes de sentir o coração destas novas exigências que estão nascendo.
Talvez não seja que a humanidade se cansou de viver em democracia e em liberdade, mas sim que, ao perceber que os velhos partidos e as velhas instituições não são capazes de absorver a nova modernidade, se refugiam, como autodefesa, nos velhos sistemas nazifascistas em que acreditam se sentir protegidos. A liberdade, agora e sempre, infunde mais medo do que a segurança e a conservação.
O problema de fundo é que tudo isso que chamamos de política é visto como o planeta de um grupo de pessoas que se apropriaram do governo do mundo, depois de terem perdido seu sangue genuíno, que, assim como os rios e as florestas, foi envenenado. Envenenado pela cobiça de quem se esqueceu de que a política só faz sentido se estiver a serviço das pessoas, com suas necessidades e sua rica diversidade, e não nas mãos de pessoas e grupos que parecem alienígenas que se esqueceram para que foram eleitos.