Bolsonaro e Guedes, feitos um para o outro
Mas, que diabo! Como uma proposta de reforma administrativa concebida pelo ministro Paulo Guedes, da Economia, e sua equipe poderia atrapalhar a vida do presidente Jair Bolsonaro e facilitar a do governador João Doria (PSDB-SP)?
Bolsonaro pensa que sim. E, por enquanto, a reforma subiu no telhado. De lá, um dia, poderá descer para ser apresentada ao Congresso. Ou então despencar para ser refeita ou simplesmente mandada ao lixo, ficando ou não para depois.
É isso, no momento, o que está tirando Guedes do sério. Mas não é isso o que explica mais uma desastrada declaração dele – desta feita, sobre o câmbio alto. Quando baixo, ele permitiu que empregadas domésticas viajassem à Disneylândia.
Ora, por que elas não se conformam em viajar a Foz de Iguaçu, Cachoeira de Itapemirim, terra de Roberto Carlos, Chapa Diamantina e praias do Nordeste? Por que voarem à Disney, indagou-se Guedes em palestra para empresários?
Seu público não se espantou com o que ouviu. O mercado está para Guedes como Guedes está para Bolsonaro. Um é espelho do outro. Com a diferença que Bolsonaro fala muito mais. Talvez seu ministro esteja se esforçando para manter-se no seu encalço.
Antes de assumir o cargo, Guedes havia sugerido dar “uma prensa” no Congresso para que ele aprovasse a reforma da Previdência. Desistiu diante da repercussão negativa de sua fala. Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, cuidou de aprovar a reforma.
Para deixar seu chefe feliz, e por que pensava igualzinho a ele, Guedes chamou de feia a primeira-dama da França. “O presidente falou a verdade, ela é feia mesmo”, disparou Guedes. Para em seguida culpar a imprensa por distorcer suas palavras.
Como culparia quando foi ao Fórum Econômico de Davos e disse que “as pessoas destroem o meio ambiente para comer”. Como havia culpado antes quando afirmou em Washington: “Não se assustem então se alguém pedir o AI-5”.
À época, preocupado com os conflitos sociais nas ruas de países latino-americanos, ele citou o ato mais odioso da ditadura militar de 64 no Brasil lembrado pelo deputado Eduardo Bolsonaro. Mas não o fez para sair em defesa do garoto. Fez porque quis.
Há uma semana, Guedes aumentou a resistência de Bolsonaro à reforma administrativa ao comparar servidores públicos a parasitas. Bolsonaro receia em mexer nos direitos dos servidores públicos. Teme cair numa armadilha.
Só não se sabe ainda por que, aos gritos, há poucos dias, ele disse que Dória, aspirante à sua vaga nas eleições de 2022, se beneficiaria da reforma proposta por Guedes, e ele não. É um enigma a ser decifrado em breve. Ou paranoia pura.
Governo monta Conselho para fazer o que quiser com a Amazônia
O mundo presta atenção
Era uma vez o Conselho Nacional da Amazônia Legal. Foi criado em 1995, ano em que o país era presidido por Fernando Henrique Cardoso, e dele faziam parte os nove governadores da chamada Amazônia legal (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso). A medida repercutiu positivamente mundo afora.
Desativado, na prática, desde que Jair Bolsonaro tomou posse, o mundo ficou sabendo que Conselho voltaria a funcionar quando o ministro Paulo Guedes, da Economia, viajou, este ano, para o Fórum de Davos. Precisava deixar por lá a impressão de que algo voltaria a ser feito para proteger a Amazônia das queimadas e da devastação.
Mas foi um truque. E pior: um truque de mágico amador. É verdade que pelo menos o comando do Conselho foi entregue a alguém que já viu a floresta de perto – o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, que naquela região esteve a frente de uma brigada de infantaria da selva. Mas os nove governadores foram excluídos.
Como isso se justifica? Não se justifica, é claro. E nem o próprio governo deu-se ao trabalho de justificar ao instalar o Conselho em cerimônia no Palácio do Planalto, onde o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete da Segurança Institucional, convidou o auditório a levantar-se das cadeiras e a gritar, em voz alta, “Selva”. Foi atendido com entusiasmo.
Sequer para a cerimônia os governadores foram convidados. Entre embaixadores de outros países presentes, também não estava o da França, propositadamente esquecido. Parte da floresta Amazônia estende-se pela Guiana francesa. Mas o governo do presidente Emmanuel Macron é considerado por Bolsonaro um inimigo do Brasil e do seu governo.
Quem, mais do que os governadores da Amazônia Legal, conhece os problemas da Amazônia Legal? Por que deixá-los de fora do Conselho? Para que não deem sugestões? Para que não se oponham às políticas que o governo eventualmente pretenda implantar? Algumas dessas políticas conhecidas são questionáveis. É isso que provoca medo ao governo?
Um Conselho desativado dará lugar a um Conselho de mentirinha. Se é o que o governo quer, terá. Só não pense que o mundo se deixará enganar por essa jogada tosca.