Tom pessimista do presidente sobre criação do Aliança indicaria desinteresse em participar da corrida municipal
O efeito da eleição municipal sobre a corrida presidencial, dois anos depois, é algo que não encontra comprovação conclusiva na literatura política, embora a sabedoria convencional sempre tenha tratado uma como preparação de terreno para a outra. A relação de causa e consequência não é tão direta, pelo menos para cargos majoritários, vide a ascensão de Bolsonaro, em 2018, despido de qualquer estrutura prévia de poder local espalhada pelo país. Foi na disputa à Prefeitura do Rio, em 2016, aliás, que a família do presidente da República teve a única derrota eleitoral em 24 disputas, contando o pai, os três filhos e a ex-mulher Rogéria Bolsonaro.
Hoje, a derrota de Flávio Bolsonaro, que ficou em quarto lugar, parece ter sido o prenúncio da ascensão do bolsonarismo, mas foi encarado naquele momento como um resultado sem maior significado político. O próprio Jair Bolsonaro foi contrário à candidatura, pois temia tanto um fiasco quanto uma vitória. Não queria dar explicações sobre um eventual fracasso da gestão do filho durante a campanha à Presidência. A história se repete. Bolsonaro é ele acima de tudo e esse comportamento em 2016 já indica qual será sua participação na corrida municipal deste ano.
A peleja de 2020, porém, traz um elemento complicador. Diferentemente de 2016, há centenas de destinos eleitorais que dependem dos rumos que Bolsonaro irá tomar. Se não mergulhou na campanha de Flávio a prefeito, Bolsonaro dá sinais de que também não o fará agora para os candidatos que buscam sua chancela e, mais urgente, precisam de uma legenda por onde concorrer. Muitos são deputados estaduais e federais já prejudicados pela impulsividade de Bolsonaro que levou ao rompimento de sua turma com o presidente nacional do PSL, Luciano Bivar. Bolsonaro e Flávio, detentores de cargos majoritários, já deram no pé e saíram da sigla. Mas aos parlamentares que querem concorrer a prefeito restam apenas três ou quatro alternativas, quase todas ruins ou improváveis. Eis as principais:
A primeira opção, e sonho de consumo dos deputados da ala bolsonarista, é obter uma justa causa sob a alegação de perseguição política e sair do PSL sem perder o mandato – o que já é buscado.
Decisão nesse sentido, porém, precisaria ser rápida, a tempo de registrarem nova filiação até seis meses antes da eleição em 4 de outubro. O tempo da Justiça é demorado, há Carnaval, recursos do PSL, o que torna a justa causa quase uma quimera. Do ponto de vista político, também é de se duvidar que a Justiça eleitoral libere em massa os deputados e abra a porteira e o precedente para o aumento da infidelidade partidária. Com essa “carta de alforria”, como eles comparam, os parlamentares poderiam ir para qualquer legenda.
Pela segunda alternativa, e de forma paralela, os deputados estaduais e federais trabalham na construção do partido bolsonarista Aliança pelo Brasil, que também representaria uma justa causa para troca de legenda, por ser uma sigla nova. Mais uma vez, o grupo esbarra no exíguo prazo, que termina daqui a dois meses. Geralmente uma grande barreira de entrada, a coleta de 492 mil assinaturas nem é o maior problema dada a capacidade de mobilização que vem da força e da popularidade de um presidente da República. Mas há o obstáculo da validação das assinaturas, o que depende da burocracia da Justiça, e a aprovação do registro no Tribunal Regional Eleitoral de pelo menos nove Estados, antes da homologação pelo TSE.
A terceira opção para os deputados bolsonaristas que querem disputar a eleição a prefeito é indicar outro nome do grupo político. Esse já é, por exemplo, o plano B do deputado federal Carlos Jordy, que pretende concorrer em Niterói. O parlamentar diz que, sem a “alforria” ou a construção a tempo do Aliança, ele apoiará o delegado da Polícia Civil e comentarista do SBT Rio Marcus Amin, que hoje está como vice de sua pré-candidatura.
No segundo maior eleitorado fluminense, em São Gonçalo, a indicação do vice, por outro lado, não é uma solução pois os dois integrantes da chapa, Filippe Poubel e Coronel Salema, são deputados estaduais. Há ainda o medo de que o indicado venha a se voltar contra eles. A trajetória do governador Wilson Witzel (PSC), eleito na esteira do bolsonarismo, assombra. Poubel ainda está indeciso se concorre pela vizinha Maricá, onde está seu domicílio eleitoral, ou em São Gonçalo, e receia: “Não tenho nome para indicar em nenhuma das cidades. Veja o que aconteceu com o governador, que é um traidor. Ele disse que não, mas fez campanha para Bolsonaro, andamos com ele nos quatro cantos do Estado”.
A quarta alternativa é a mais kamikaze: sair do PSL na marra, com o risco de perder o mandato. Seria algo tentador para os deputados que, segundo as pesquisas, estariam liderando a corrida a prefeito. É o caso do deputado estadual Dr. Serginho, pré-candidato em Cabo Frio.
Tudo considerado, o Aliança seria a melhor opção para os deputados pré-candidatos. Mas talvez não para Bolsonaro. Pelo número de vezes que o presidente já reconheceu a possibilidade de o partido não ficar pronto a tempo – num suposto tom pessimista – políticos atentos acreditam que o ex-capitão não deseja ter a legenda para já. “Ele não quer o Aliança. Ficar fora da disputa é melhor. Não acredito que Bolsonaro vá apoiar qualquer candidato. Talvez só no segundo turno, se houver polarização com a esquerda”, diz o deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ).
Sem o Aliança, a solução paliativa para que o bolsonarismo ganhe fôlego na eleição de outubro – dentro das três alternativas restantes – seria a filiação em outras siglas – como o Patriota e o PRB – seja do grupo dissidente no PSL ou de novas apostas recrutadas – especialmente para a disputa a vereador. O presidente nacional do Patriota, Adilson Barroso, conta que conversou com Bolsonaro no dia 17, por meia hora, mas não tratou do assunto. Diz que seria uma honra receber o grupo do presidente desde que os bolsonaristas eleitos não debandem todos depois para o Aliança. “Barriga de aluguel não é parceria. Tem que deixar um ou dois vereadores pelo menos”, afirma. O PRB, do prefeito Marcelo Crivella, que busca a reeleição no Rio, também almeja receber o grupo. O líder nacional da sigla, Marcos Pereira, terá reunião nesta semana para tratar do acordo com Bolsonaro, informou Crivella à coluna.