Mesmo com déficit longe do prometido zero, o governo criou estatal militar e colocou quase R$ 8 bilhões em outra estatal militar
O governo colocou de uma vez R$ 8 bilhões numa estatal controlada pela Marinha e que constrói corvetas, a Emgepron. O ministro da Economia, Paulo Guedes, é liberal, a conjuntura é de aguda restrição fiscal, mas R$ 10 bi foram gastos em capitalização de estatais, a maior parte para essa da área militar. Criou uma estatal este ano, a NAV Brasil, também na área militar, que pode vir a ter 13,5 mil funcionários. Então o déficit do Tesouro que o ministro prometeu zerar no primeiro ano terminou em R$ 95 bi, e houve expansão de gastos com estatais.
Para o setor público consolidado, o déficit foi de R$ 62 bilhões, porque houve superávit nos governos regionais e nas estatais. O dado do Tesouro foi o menor déficit em seis anos, mas a maior parte da queda foi resultado de receitas extraordinárias. Com a divulgação dos números esta semana do déficit público no primeiro ano do governo Bolsonaro, tanto pelo cálculo do Tesouro quanto pelo do Banco Central, fica claro que existe melhora, mas ela é gradual e volátil. Se caírem as receitas extraordinárias, o buraco pode aumentar. De estrutural, houve a reforma da Previdência, cujo resultado negativo foi de R$ 318,4 bi em 2019, com alta de 10% sobre o ano anterior. A reforma reduz apenas o ritmo de crescimento do rombo. É a melhor notícia na área das contas públicas, mas foi conseguida em grande parte pelo esforço do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que na quinta-feira trocou farpas com o ministro Paulo Guedes em um evento do Centro de Liderança Pública (CLP) em São Paulo.
Em outro evento, promovido pelo Credit Suisse, o ex-presidente do Banco Central Persio Arida duvidou do liberalismo do governo:
— A agenda das privatizações decepcionou, e a abertura comercial não aconteceu. Vamos pegar dois fundos para mostrar o quanto o governo não é liberal como se diz. O FGTS é uma poupança compulsória, que só fazia sentido na época em que o Brasil não tinha crédito. O FAT tem R$ 370 bilhões, o que significa 10 anos de financiamento do Bolsa Família. O que o governo fez? Liberou dinheiro do FGTS para estimular consumo. Diminuiu o Fundo, mas não acabou. A Caixa continua monopolista com taxas altas de administração. O FAT é formado por um imposto e vai para o BNDES, que empresta e não precisa pagar ao FAT, apenas juros. O governo não acaba com os dois fundos porque a Caixa e o BNDES não querem. Isso não é liberalismo. Liberalismo é proteger o público do privado e neste caso o governo cede ao lobby.
No FGTS, Persio acha que o dinheiro deveria voltar ao seu dono, sem restrições, ou no mínimo dar aos trabalhadores o direito de aplicar onde quiser. Manter na Caixa de fato não é nada liberal.
Ele lembrou ainda, para desconforto da plateia do mercado, quase toda governista, que privatização é vender estatais. Quando se vende subsidiária, o dinheiro vai para a estatal.
Armínio Fraga, falando no mesmo evento, mostrou a razão pela qual é preciso diminuir o tamanho do Estado para ele investir:
— O Estado continua quebrado, inchado e não investe mais do que 1% do PIB. Cerca de 80% do gasto é previdência e pessoal. A média do mundo é 50% a 60%. Se o Brasil chegasse na média e acabasse com subsídios, liberaria 10 pontos percentuais de gasto sobre o PIB, poderia terminar o ajuste com 3% e teria mais 7% para investir. Concordo com o Persio, este governo não é tão liberal assim.
Os dois disseram que para crescer o país precisaria investir muito em educação, que definiram como uma tragédia que se agrava.
No evento do CLP, o ministro Paulo Guedes jogou sobre o Congresso a conta da demora de outras reformas e saiu do recinto sem tempo de ouvir a resposta de Rodrigo Maia, que falou em seguida. Ele lamentou a ausência de Guedes, porque queria dizer “não é bem assim”. Maia lembrou que as reformas tributária e administrativa não chegaram ao Congresso e que a PEC emergencial atropelou uma proposta mais ambiciosa de iniciativa do Congresso:
— A do governo vai economizar de R$ 10 bilhões a R$ 15 bi, a do deputado Pedro Paulo economizaria R$ 100 bilhões.
No evento do Credit Suisse também falou uma ex-assistente de Milton Friedman, Deirdre McCloskey, defendendo uma visão radical e impiedosa do liberalismo. A economista se chamava Donald, fez cirurgia e assumiu como Deirdre a sua identidade feminina. Por ter dito que o governo Bolsonaro é tudo menos liberal, teve sua palestra suspensa na Petrobras.
E assim caminha o liberalismo à moda Bolsonaro: censurando, criando estatais, capitalizando empresas militares e mantendo o monopólio da Caixa em poupança compulsória.
Postado por Gilvan Cavalcanti