No Brasil, cidadãos de orientação política de direita estão da mesma forma equivocados sobre a democracia quanto os de esquerda
Tem muita gente festejando o resultado da pesquisa da Universidade de Cambridge que mostra descontentamento crescente com a democracia em todo o mundo. Segundo a pesquisa, 58% das pessoas entrevistadas em 154 países estão insatisfeitas com este sistema de governo. No Brasil, apenas 20% das pessoas ouvidas aprovam o regime democrático. Os que comemoram este péssimo resultado são aqueles que acreditam que um regime totalitário pode ser mais útil ao país, acreditando que um governo de força acabaria com a corrupção e a violência, entre outros problemas.
A História prova que eles estão enganados, e a pesquisa revela as limitações dos que pensam assim, não importando de que ângulo enxergam o cenário. No Brasil, cidadãos de orientação política de direita estão da mesma forma equivocados sobre a democracia quanto os de esquerda. Aqueles bolsonaristas que aplaudem de modo entusiasmado tanto os acertos do governo quanto seus erros grosseiros e antidemocráticos imaginam que um regime totalitário salvaria o Brasil. Da mesma forma, há lulopetistas que prefeririam um governo centralizador, sem o contraditório, sobretudo sem imprensa, como imaginou um dia José Dirceu.
Supor que um governo não democrático acabaria com a corrupção é o mesmo que acreditar que há democracia na Venezuela e que os generais de Maduro não são os mais corruptos da América Latina. Pensar que um regime fechado terminaria com a violência é tão absurdo quanto ignorar o poder global da máfia russa, a mais cruel e sanguinária do mundo.
A pesquisa mostra que as pessoas não confiam em regimes democráticos em razão dos sucessivos escândalos de corrupção e nepotismo que produziram, sobretudo na América Latina, pela sua incapacidade em lidar com a criminalidade e por se revelarem inúmeras vezes incompetentes na busca de soluções para crises econômicas. O problema não é apenas enxergar a democracia por esta ótica. Mais grave é imaginar que há solução mágica fora dela. No Brasil, por exemplo, a pesquisa demonstra que 37% dos entrevistados acreditam que um golpe militar resolveria os problemas de corrupção e seria capaz de reduzir os índices da violência urbana.
Rematada bobagem. Nostalgia da ditadura brasileira revela não apenas desconhecimento histórico, mas também ignorância antropológica, por ser impossível comparar qualquer dado dos anos 60 e 70 com seus similares de hoje. Para começar, o Brasil de 1970, por exemplo, tinha 93 milhões de habitantes, sendo que 42% viviam na zona rural. Hoje, o Brasil tem 215 milhões, e 85% habitam as cidades. São obviamente dois países distintos. Mesmo os que acreditaram cegamente no regime militar daqueles anos não conseguiriam explicar de que forma ele se cristalizaria em 2020.
No mundo, segundo a pesquisa da Universidade de Cambridge, o desencanto com a democracia cresceu exponencialmente na última década em razão da crise econômica de 2008, por causa da insolúvel crise dos refugiados, em razão da polarização política e pela falta de respostas dos governos em atender questões sociais urgentes. Claro que o regime de governo não é o culpado por estes problemas, mas os entrevistados não pensam assim.
Somam 2,4 bilhões as populações dos países ouvidos na pesquisa. China e Cuba obviamente não foram consultados. Da mesma forma que há quem apoie uma ditadura militar, há também quem defenda o modelo de meritocracia do Partido Comunista chinês, onde os melhores ascendem na burocracia chinesa depois de serem testados em várias instâncias administrativas. Outros acham perfeito o regime cubano, onde escolas e hospitais funcionam melhor que no Brasil e o acesso é universal. Tudo bem, mas tente discordar de uma decisão de um chefe de quarteirão em Havana. E vai ver como funciona o mercado popular de Wuhan.
Ecos da Samarco
As enchentes dessa semana em cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo mostraram efeitos do colapso da represa de Fundão, em Mariana, que ainda não tinham sido medidos. Em pelos menos duas cidades ao longo do Rio Doce, Governador Valadares (MG) e Linhares (ES), a enchente trouxe para as ruas toneladas de restos de minério de ferro que estavam depositados no fundo do rio. Em outras enchentes em Valadares, o que subia do leito do rio era areia, nunca ferro. O que parece ter ocorrido também é que a lama originada pelo desmoronamento da barragem da Vale em Mariana tornou mais raso o rio, além de selar o seu leito. O rio Doce que já estava quase morto, agora está vomitando ferro.
Preconceito, ainda
Um dos mais tradicionais clubes de São Paulo, o Harmonia, finalmente consentiu que uma sócia homossexual matriculasse sua companheira como dependente. Maria Tereza Neves de Andrade submeteu ao clube o nome de Gabriela Mandacaru Lobo. O Harmonia aceitou a filiação, mas na ficha de inscrição apagou com o velho liquid paper a designação que identificava a nova sócia como cônjuge da titular. No passado, a artista plástica Maria Bonomi foi desencorajada a se apresentar como companheira da fotógrafa Lena Perez, que já era titular de uma cota. Bonomi acabou entrando no Harmonia como sócia independente. Em outro clube de São Paulo, o Paulistano, caso semelhante só foi resolvido na Justiça, com ganho de causa para o casal gay que havia sido rejeitado pela direção.
Detalhe demais atrapalha
Um economista foi chamado pelo então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para apresentar à presidente Dilma Rousseff uma tese que havia desenvolvido e que agradara ao ex-ministro. Dilma recebeu o documento com o arrazoado do economista amigo de Levy no domingo e na segunda mandou chamar o autor. O economista ficou muito mal impressionado com Dilma porque ela sabia detalhes e pormenores que só seria possível se tivesse passado horas estudando o documento. Na época, a economia do país já andava de marcha à ré e o processo de impeachment da presidente estava prestes a começar. Dilma não podia perder tanto tempo com aquele paper já que tinha coisas muito mais urgentes para tratar, decepcionou-se o amigo de Levy.
Guinness
Novo recorde mundial vai para José Vicente Santini, primeiro funcionário a ser demitido do serviço público duas vezes em menos de 48 horas.
Batizado de comunista
O dominicano Frei Betto, recém contratado pela FAO (órgão das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) para desenvolver um projeto comunitário em Cuba, batizou três crianças no Palácio da Revolução de Havana, uma delas neta do presidente Díaz-Canel, o sucessor de Raúl Castro. Para quem achava que comunista comia criancinha, esta é a prova de que não as comem e de que alguns até as batizam.
Falta de coro
Parece exagero da Comissão de Ética da Presidência advertir o ministro Abraham Weintraub por ter dito que os aviões da FAB já transportaram mais droga do que os 39 quilos de cocaína apreendidos na Espanha. Ele escreveu o seguinte quando um sargento traficante foi preso em Sevilha, no ano passado, por transportar cocaína no Aerolula: “No passado o avião presidencial já transportou drogas em maior quantidade. Alguém sabe o peso do Lula ou da Dilma?”. Que falta de humor, gente. Está certo que Weintraub é “um desastre”, como avaliou o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, e deveria ser advertido pela super mancada do Enem e por outras muitas barbaridades que segue fazendo no MEC, mas não por essa piadinha boba.
Fake não salva
Uma semana antes de a Organização Mundial da Saúde (OMS) dar o alerta mundial sobre o coronavírus, o BlueDot, um sistema automatizado de informações sobre doenças infecciosas, já havia disparado o alarme. O sistema combina inteligência humana e artificial para monitorar dados em todo o mundo (sobretudo notícias de diversas fontes internacionais, especialmente sites jornalísticos) e prevenir que processos infecciosos se espalhem. Sempre, invariavelmente, o BlueDot se antecipa aos anúncios oficiais. O sistema poderia ser cem vezes mais eficiente e salvar mais vidas se pudesse usar as redes sociais para alimentar seus bancos de dados. Mas a falta de confiabilidade dos usuários e as fake news que eles produzem às toneladas impedem o seu uso. Mentira pode não matar, mas também não salva.
Perigo, perigo
Se você acha que o cheiro da água da Cedae melhorou, que seu gosto já não está tão ruim, impressão sua. É que você já está se acostumando com a porcaria. É aí que mora o perigo, e que fica maior ainda quando você começa a se acostumar com governante porcaria.