Escolha do substituto de Weintraub definirá, em grande parte, se, no segundo ano de governo, Bolsonaro optará por fazer entregas ou se continuará a fazer muito barulho por nada
O desastre do Enem deu clamor nacional ao epicentro da crise que abrirá o ano legislativo. Se o país está na contagem regressiva para a saída do ministro Abraham Weintraub, é o comando do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação que mais inquieta os parlamentares.
É lá que está o cofre do MEC. Tirando a folha de salários da Pasta, o resto passa pelo FNDE, do ônibus escolar à compra de laptops. O orçamento deste ano é de R$ 30 bilhões, o que o equipara ao do Bolsa Família. Seu comando é mais volátil do que o do MEC. Teve três titulares ao longo do primeiro ano do governo Jair Bolsonaro. O primeiro foi um professor da FGV, indicado por militares. Às vésperas da aprovação da reforma da Previdência, o condomínio DEM/PP emplacou um ex-presidente da Funasa, o “ministério que fura poço”, da gestão Michel Temer, e próximo tanto do secretário de Transportes Metropolitanos do governo de São Paulo, Alexandre Baldy (PP) quanto do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM).
Maia, Guedes e governadores contra Weintraub
Na última semana do ano, Weintraub mexeu de novo. Colocou no comando uma das diretoras do fundo, concursada do MEC. A troca azedou o Natal de muita gente no Congresso. O FNDE sempre foi domínio do DEM. O balcão foi derrubado na gestão petista mas acabou remontado nos achaques que marcaram a trepidante segunda gestão de Dilma Rousseff.
O gabinete do presidente do FNDE é um dos mais procurados pelas caravanas de prefeitos em Brasília e pelos parlamentares que os ciceroneiam. Juntos, destravam tanto verbas de municípios bloqueados por erros nas prestações de contas quanto de outros que mantêm redes viciadas de fornecedores de merenda ou uniforme escolares. Weintraub espicaçou ambos ao entregar, durante o recesso, ônibus escolares viabilizados por emendas parlamentares de anos atrás sem avisar aos seus autores.
À pinimba política, some-se a inépcia administrativa de uma Pasta que não consegue gastar. No ano passado, o MEC acumulou o maior volume de restos a pagar desde 2013. A contenção em nada angariou simpatia por sua permanência no Ministério da Economia. Na véspera da divulgação do vídeo nazista do ex-ministro da Cultura, Weintraub anunciou um reajuste de 13% nos vencimentos de professores da rede pública. Enfureceu governadores e prefeitos, pela pressão sobre a maior fatia de sua folha de pagamentos, e confrontou preceitos de duas propostas do governo federal – uma, já em tramitação (PEC Emergencial), que prevê uma redução de R$ 6 bilhões nos gastos do funcionalismo público, e a reforma administrativa.
A decisão do ministro incendiará o debate sobre o Fundeb no reinício dos trabalhos legislativos. O fundo, que financia os gastos com educação, expira em dezembro de 2020. O Tesouro Nacional tem 10% de participação no bolo. Há parlamentares que querem renová-lo com um aumento de até 40%.
O Ministério da Economia propõe 15% mas será obrigado a aumentar esse percentual para que prefeitos e governadores, que se reúnem em fevereiro para debater o tema, possam abrigar o aumento salarial decretado por Weintraub. O titular do MEC não tem domínio da língua portuguesa mas demonstrou ser capaz de afundar um dos axiomas do bolsonarismo, o de que se trata de um governo liberal na economia e retrógrado nos costumes.
Na mira do Congresso, do Ministério da Economia, de prefeitos e de governadores, o ministro acresceu, à sua ficha corrida, a barbeiragem do Enem – a maior da história do exame, na avaliação de Priscila Cruz, do Todos pela Educação, não apenas pelo número de alunos envolvidos como por ter atingido o coração do sistema de avaliação do ensino público. Ao contrário de problemas anteriores, de vazamento e roubo de provas, o deste ano não se verificou na aplicação da prova, mas na confiabilidade dos resultados. O erro não se limitou ao processamento do gabarito. Passou batido pelo sistema de checagem da instância responsável, o Inep, e só ganhou o mundo pela denúncia dos alunos prejudicados em redes sociais.
Com Damares Alves (Direitos Humanos), Ernesto Araújo (Itamaraty) e os titulares da Cultura até Regina Duarte, Weintraub integra a quadra de animadores de auditório olavistas da Esplanada que movimenta a gigantesca rede virtual de apoio ao presidente da República nas redes sociais. A despeito do conjunto da obra, #FicaWeintraub disputa a liderança no Twitter.
Se tirar apenas o ministro, o presidente desgostará seu exército virtual. Vem daí a ideia de que o titular do MEC integraria o time a ser trocado depois do carnaval. Sua saída não resolve o imbróglio de sua substituição, indissociável da solução para o FNDE. A ideia de manter um escolhido dos aloprados virtuais para o MEC e um indicado do Centrão para o fundo não contempla as ansiedades da federação ou da Economia.
Se der ouvidos a Paulo Guedes, por outro lado, o presidente corre o risco de ver a Educação tomada pelas ideias expostas pelo ministro em Davos, quando se propôs a resolver o problema da desigualdade no Brasil distribuindo vouchers para as famílias com crianças em idade pré-escolar. Como não há um sistema nacional de avaliação na pré-escola, a proposta arrisca-se a disseminar uma prestação de serviços que não poderá ser aferida e ainda deixa de contemplar a oferta de vagas onde o mercado está ausente.
O calendário eleitoral pressiona a escolha. Creche é pule de dez no debate municipal. As 3 mil creches paradas por falta de repasses federais, segundo o TCU, já teriam suprimido em R$ 3 bilhões da renda de famílias pobres. Uma coisa é Bolsonaro não entrar na disputa eleitoral de outubro para não ser obrigado a carregar o ônus de derrotado. Outra é deixar um flanco aberto para sair dela como vilão de um debate que deixará explícita a precariedade da infraestrutura municipal para populações mais vulneráveis.
A escolha do substituto de Weintraub definirá, em grande parte, se, no segundo ano de seu governo, o presidente da República optará por entregar ou se continuará a fazer muito barulho por nada.