Míriam Leitão: Um governo que apequena o Brasil

O Brasil, com sua vasta diversidade humana e sua enorme biodiversidade, fica menor nas frases preconceituosas e nos erros do atual governo.
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

O Brasil, com sua vasta diversidade humana e sua enorme biodiversidade, fica menor nas frases preconceituosas e nos erros do atual governo

O governo cria suas próprias crises e é autofágico. Não haveria problema com esta inclinação de se consumir, exceto pelo fato de que isso atinge o próprio país. Nos últimos dias, ele criou problemas em dose excessiva até para os seus padrões. O presidente anunciou que poderiacriar o Ministério da Segurança e 24 horas depois disse que isso tem chance zero. O ministro Paulo Guedes falou em criar o “imposto do pecado” e o presidente desmentiu. Mas isto é o governo andando em círculos e se consumindo em seus improvisos e brigas de facções. O que realmente importa é o que atinge o Brasil.

A cúpula financeira se reuniu em Davos, durante a semana, e deu um recado claro de que o rumo mudou e que o dinheiro irá para investimentos e países que tenham compromissos com o combate às causas da mudança climática. O Brasil foi para a reunião despreparado, o ministro da Economia fez um improviso infeliz e o presidente, na sexta, aqui no Brasil, deu uma declaração sobre os indígenas brasileiros que revela preconceito.

O Brasil errou muito, ao longo da sua história, na relação com os povos originais desta terra. Durante a ditadura, o governo seguiu a orientação de que era preciso “integrar”, forçar o contato, transformá-los em soldados, em moradores de áreas próximas às cidades. Foram muitos os absurdos e todos eles provocaram mortes e destruição cultural de várias etnias. Ao fim do regime militar, o país enfim formulou uma política indigenista de respeito às profundas diferenças entre os diversos povos, seja em estágio de contato com os não indígenas, seja em ritos de suas culturas. Estabeleceu que jamais forçaria o contato com os que se isolassem, a não ser que fosse para protegê-los, e intensificou o esforço de demarcação. Ficou escrito na Constituição que a terra é da União, mas nela os índios vivem. Os povos indígenas que estão na Amazônia são parte da estrutura de proteção das florestas, como se pode ver pelas imagens de satélites e se pode conferir em visitas às aldeias.

O presidente demonstrou em uma única fala toda a carga de preconceito que tem em relação aos indígenas. “O índio está evoluindo e cada vez mais ele é um ser humano igual nós”. A frase é tão ruim que dispensa críticas. Essa mesma ideia da sub-humanidade dos índios está contida em outras declarações do presidente. Revela preconceito e também desconhecimento do assunto. Se fosse só uma frase. Mas há toda uma política que ameaça repetir erros velhos e trágicos que resultaram em muitas mortes.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, entendeu o que está contido nos muitos documentos dos gestores de fundos e dos administradores de bancos durante a reunião do Fórum Econômico Mundial e disse ao “Valor” que “o tema ambiental afeta o fluxo financeiro”. Exato. Foi o recado de Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), foi o que disse o BIS, orientador dos bancos centrais. Foi o que disse Larry Fink, do BlackRock, o gestor do maior fundo do mundo em carta aos presidentes de empresas. O TCI, fundo de hedge conhecido por práticas agressivas, avisou que a mudança climática será critério para os seus investimentos. George Soros vai investir US$ 1 bilhão em uma universidade com o objetivo de combater o que ele chama de “desafios gêmeos”: a mudança climática e os governos autoritários. O Goldman Sachs não vai trabalhar na abertura de capital de empresas nas quais não haja diversidade em seus conselhos de administração. Até o capital veio mudando nos últimos anos, só o governo não viu. Esse encontro de Davos parece ter sido o ponto da virada.

O Brasil tem 60% da maior floresta tropical do mundo, a parte mais significativa da maior bacia hidrográfica e 300 povos indígenas. Poderia ter chegado a essa conversa com todo o amadurecimento que o tema já teve no país nos últimos anos. Mas o governo apequenou o Brasil. E, com o seu discurso ultrapassado, põe em risco a nossa inserção no mundo.

A criação do Conselho da Amazônia foi anunciada sem ter conteúdo. Por enquanto é só um nome. Para que este conselho funcione na direção certa será necessário que o governo abandone os preconceitos e os equívocos nas políticas ambiental, climática e indigenista. O governo precisaria entender, afinal, o tesouro imenso que é a diversidade ambiental e humana do Brasil.

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