Guedes articula uma ideia inteligente, mas Bolsonaro está preocupado com o preço da sua cerveja
Bastou Paulo Guedes articular uma rara ideia inteligente sobre a reforma tributária —a adoção do “imposto do pecado”, isto é, de alíquotas maiores para produtos com impacto social negativo, como cigarros e bebidas alcoólicas ou açucaradas– para o presidente Jair Bolsonaro desautorizá-lo: “Ô Paulo Guedes, eu te sigo 99%, mas aumento no preço da cerveja, não”.
Ao preocupar-se mais com a conta do bar do que com as contas públicas, o presidente desdenha da mais formidável ferramenta governamental para promover a virtude, que são os tributos. E digo “formidável” com convicção, já que a carga de impostos que incide sobre cada produto permite promover pequenas revoluções comportamentais de forma relativamente rápida e sem recorrer a medidas autoritárias como a proibição.
Para dar um exemplo, a elevação dos tributos sobre o cigarro teve um papel importante na redução da prevalência de fumantes no Brasil, que passaram de 35% dos adultos em 1989 para menos de 15% em 2013 “”e ninguém precisou ir para a cadeia. Mais, com o aumento dos impostos pagos por fumantes, que passaram a arcar com uma fatia maior dos custos que o tabagismo gera, a repartição da fatura ficou menos injusta.
Essas são ideias sobre tributação que defendo há bastante tempo. A leitura do excelente “Capitalism, Alone”, de Branko Milanovic, me fez ver que o impacto pode ser ainda maior, afetando a própria arquitetura da sociedade.
Milanovic mostra que a uniformidade de comportamentos é a base moral da seguridade social. Em sociedades mais complexas, onde diferentes grupos têm diferentes hábitos, que resultam em maior ou menor uso dos serviços públicos, a percepção de que a conta não é distribuída de forma equânime frustra a adoção de regimes de “welfare state” mais generosos. “Impostos do pecado” podem ajudar a corrigir isso.
Bolsonaro, porém, está mais preocupado com o preço da sua cerveja.