Subestimado em ‘Democracia em Vertigem’, ele merecia salvo-conduto para ir a Los Angeles
Habita Bangu 8 a nossa grande aposta para, enfim, faturar um Oscar. Personagem algo lateral em “Democracia em Vertigem” —concorrente a melhor documentário longa-metragem—, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB) está a merecer o devido crédito.
Com total domínio de cena, ele não só deu aval ao pedido de impeachment de Dilma Rousseff, como pode parecer ao gringo que assista ao documentário, mas conduziu de forma obsessiva todos os preparativos que culminaram na autorização da abertura do processo, em 17 de abril de 2016. Sim, a célebre sessão em que o até então inexpressivo Jair Bolsonaro exaltou um torturador e em que Cunha clamou aos céus por misericórdia à nação.
Daí em diante, não havia como retroceder. Foi jogo jogado. Dilma foi destituída, e Deus não teve misericórdia de ninguém, muito menos de Cunha, que foi parar na prisão, onde está há há mais de três anos.
Além do imerecido papel dado ao ex-deputado, o documentário também tem ingenuidades e alguns delírios esquerdistas, como o de sempre culpar a imprensa pelos males do mundo —quando convém, claro. Ao usar a gravação em que Romero Jucá fala em “estancar a sangria” provocada pela Lava Jato, por exemplo, a diretora Petra Costa narra ter sido “vazado um áudio” que lançou “luz” sobre o que ocorria nas sombras da República. Esqueceu-se apenas de dizer que o áudio foi revelado, olhe só, pela maldita imprensa golpista —no caso, em reportagem de Rubens Valente, nesta Folha.
Apesar disso, “Democracia em Vertigem” tem muita qualidade técnica, registros históricos de bastidor e, talvez o maior mérito, foge da comum armadilha de forjar equilíbrio onde há tudo, menos equilíbrio. A vida não é assim. O filme tem lado, e pode ser o mais condizente com a história toda. Seja como for, a Cunha deveria ser dado um salvo-conduto para ir a Los Angeles, onde poderia repetir as súplicas por misericórdia, agora em prol do mundo. Quem sabe Deus ouvisse dessa vez.