Aos amigos evangélicos, tudo; aos adversários indígenas, nada. Ou melhor, as migalhas
Com o presidente Jair Bolsonaro viajando e o Judiciário e o Legislativo em recesso, vão surgindo as bombas a serem lançadas em 2020 sobre a opinião pública, senadores e deputados e ministros do Supremo, a quem cabe a última palavra em questões polêmicas.
São bombas em forma de medidas provisórias ou decretos em elaboração nas áreas técnicas do governo. Um projeto prevê subsídios para a conta de luz de templos evangélicos, ops!, religiosos. Outro escancara reservas indígenas às mais diversas formas de exploração, sem dó nem piedade. Resta saber o que o Ministério da Economia acha de um, e a comunidade internacional, do outro.
Em resumo: aos evangélicos, tudo; aos índios, as migalhas. Estes não terão direito a veto ao que for imposto para suas terras, mas poderão ser recompensados pelas atividades ali instaladas. Assistirão à devastação de camarote, estendendo o pires para colher as moedas. Quando abrirem os olhos, cadê as suas reservas? Puff! Evaporaram.
Um dos mantras de Bolsonaro é que ele acabou com o “toma lá, dá cá” com o Congresso, mas a verdade é que, além de as emendas parlamentares terem sido liberadas diligentemente em 2019, a troca de favores corre solta especialmente com os aliados e amigos, inclusive de fora do Congresso.
Funcionou na reforma da Previdência dos militares, que perderem na aposentadoria, mas ganharam no soldo, e tem sido recorrente com as polícias, os evangélicos e as bancadas ligadas a ambos. Bolsonaro não esconde os privilégios para seus preferidos, que estão na sua base de apoio no Congresso, na sua base eleitoral no Rio de Janeiro e nas suas relações de amizades.
Segundo levantamento do Estado, 30% da agenda pública de Bolsonaro no seu primeiro ano foi dedicada a militares e evangélicos. Ele pôs o bispo Edir Macedo no primeiro plano da foto do Sete de Setembro, vai a toda solenidade militar pelo País afora, anunciou indulto de Natal para policiais condenados por “excessos” em serviço e contrariou o ministro Sérgio Moro com o excludente de ilicitude, apelidado de “licença para matar”.
E não são apenas gestos, gentilezas e fotos. Depois de contrariar o superministro da Justiça, Bolsonaro pinga más notícias nos planos do outro superministro, Paulo Guedes, da Economia. Numa hora, proíbe taxação da produção e consumo de energia solar. Noutra, quer subsídio para a energia dos templos evangélicos, ou, se preferirem – mas não é o que ocorrerá na prática –, dos templos das diferentes igrejas. Ou seja, tira receita com uma das mãos e gera despesa com a outra.
Por trás desse toma lá, dá cá ampliado, está o futuro: o novo partido do presidente e as eleições de 2022. Quem poderia ser melhor do que evangélicos, policiais e militares para estimular assinaturas do Aliança pelo Brasil? Quem mais tem tanta ramificação no País?
Quanto aos índios, pobres, distantes, desarticulados, eles estão entregues à própria sorte. Nada contra a discussão sobre a extensão, o grau de preservação e o uso de áreas indígenas para o desenvolvimento – do País e das próprias comunidades indígenas. O problema é que, no atual governo, que rejeita ONGs e conselhos, trata críticos como inimigos, vê esquerdismo em tudo e em todos e só olha para o próprio umbigo (ou a própria ideologia), as discussões são muito restritas.
E lá vem um projeto que não apenas abre a mineração, como já esperado, mas autoriza a construção de hidrelétricas, extração de petróleo e gás e exploração de agropecuária e turismo nas reservas indígenas. Ou seja, tudo. Se o mundo já recebe com espanto as políticas do governo e as manifestações do próprio Bolsonaro para meio ambiente, imaginem o que vai achar da novidade?