Estados estão em crise fiscal, mas o governo quer que eles subsidiem o combustível fóssil, reduzindo alíquotas de ICMS
Os preços do petróleo voltaram a subir ontem à noite após o ataque de mísseis a uma base americana no Iraque. Isso aumenta a pressão dentro do governo brasileiro para se encontrar uma solução mágica para o preço dos combustíveis. Toda vez que as cotações ficam voláteis o governo ensaia a mesma discussão, a de reduzir impostos, interferir nos preços, ou de criar um colchão de amortecimento. Foi assim na ameaça de uma greve dos caminhoneiros, e depois no atentado às refinarias da Arábia Saudita e agora na crise do Irã. Se quer alguma solução, ela tem que ser pensada quando não há crise.
Durante a campanha, o então candidato Bolsonaro era sempre perguntado sobre o que faria com os preços dos combustíveis. Isso porque a fórmula criada no governo Temer para conter a crise da greve dos caminhoneiros terminaria no dia 31 de dezembro de 2018. Bolsonaro sempre saía pela tangente ou divulgava um factoide. Na Globonews, ele chegou a sair da pergunta afirmando que privatizaria a Petrobras. O desconforto vinha do fato de que ele precisava caber na forma de um programa liberal na economia, no qual ele nunca acreditou.
Agora, com 372 dias no cargo, Bolsonaro ainda está prisioneiro do mesmo dilema entre o seu natural intervencionismo e o proclamado liberalismo de seu governo. Ele oscila entre a sua intenção de conter a alta, e a explicação da equipe econômica de que segurar preços de combustíveis não é liberal, além de prejudicar todo o projeto de privatizar as refinarias. Para piorar, ouve que foi exatamente o que a ex-presidente Dilma fez. Esse é o argumento que incomoda o presidente.
A primeira hora da verdade foi em abril, quando os preços dos combustíveis foram corrigidos em 5,7%. Ele ligou para o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, e mandou suspender o reajuste. A Petrobras recuou. Isso deu uma grande confusão. O vice-presidente, Hamilton Mourão, teve que ir à imprensa para dizer que ele não faria a mesma política de Dilma. Bolsonaro garantiu: “não vou ser intervencionista”. Já estava sendo. A notícia bateu na ação da Petrobras. Ela caiu 8% num único pregão.
No dia 14 de setembro os preços do petróleo dispararam 10% no mercado internacional após o atentado, atribuído ao Irã, contra as refinarias da Arábia Saudita. Novo desconforto. Agora, com o atentado americano em que morreu o general Qassem Soleimani, a conversa voltou.
O presidente faz reunião e mais reunião e não chega a um resultado. Disse que pedirá aos estados que reduzam o ICMS. É um absurdo enorme. Imagina os estados que estão com rombos em suas contas, atrasam salário de funcionário, e não conseguem garantir bom atendimento de educação e saúde à população, gastando dinheiro para subsidiar combustível fóssil.
Na última reunião sobre o assunto, o governo falou em criar um colchão de amortecimento para suavizar a volatilidade dos preços dos combustíveis. Isso foi criado pelo governo Fernando Henrique. Era a Cide. Com o significativo nome de Contribuição para Intervenção no Domínio Econômico, ela tinha o objetivo inicial de fazer um colchão, que arrecadaria quando os preços estivessem baixos, e a alíquota cairia quando os preços tivessem que subir.
No governo Dilma, a Cide foi zerada, mas não foi suficiente. A conta acabou paga pela Petrobras, que carregou o custo de um congelamento dos preços de derivados de petróleo. Na greve dos caminhoneiros, de novo a Cide foi zerada, e outros impostos foram reduzidos. Essa foi a fórmula que vigorou até o fim do governo Temer. Era uma solução temporária.
Se não quiser ficar entre seu impulso intervencionista e a pressão da equipe econômica, Bolsonaro precisa encontrar uma fórmula antes da crise, para ser aplicada durante a crise.
De qualquer maneira, a esta altura das emergências climáticas do planeta, o ideal sempre será não subsidiar combustível fóssil. A equipe econômica está tão incomodada com o estímulo à energia solar, mas não se preocupa com o subsídio de R$ 1 bilhão pago todo ano pelo Tesouro para a energia do carvão. Agora ela não está preocupada com o possível subsídio ao diesel e à gasolina, o que ela teme é não ter compradores para as refinarias.
O preço interno é a soma do custo do petróleo mais a cotação do dólar. O câmbio estacionou num outro patamar, ainda que oscile. Por isso, qualquer aumento do petróleo, se não for repassado, vira prejuízo da Petrobras. Essa é a raiz do dilema.