Se o governo não engendrar logo uma forma de alavancar investimentos, estaremos condenados a voar baixo
Em entrevista logo após a aprovação da reforma da Previdência, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, deitou falação e assegurou que o Brasil poderia, a partir de então, “oferecer aos investidores a tal previsibilidade que permite o cálculo econômico e que dá segurança a quem investe”. O ministro, que é veterinário, tocou num ponto que ocupa a teoria econômica há séculos. É fato que perspectivas favoráveis são cruciais para engendrar um novo ciclo de crescimento, mas desde então não só o ministro despontou para o anonimato, como também o investimento deu demonstrações apenas tépidas de que atendeu ao chamamento oficial.
Medir o comportamento do investimento não é coisa simples no século 21. Na enciclopédia editada pelo economista David Glasner (Business Cycles and Depressions), o verbete “investimento” é definido como “o fluxo da produção corrente alocado para a acumulação de capital”. Isso é coisa do tempo em que a indústria dava as cartas. Hoje é diferente, mas a metodologia do cálculo do investimento no Produto Interno Bruto (PIB) não se alterou de forma significativa. Se uma empresa gasta bilhões em novos sistemas, novos processos, novas marcas ou novos produtos, isso impacta pouco o cálculo do investimento, apesar de acumular enorme capital intangível.
Por essa métrica convencional, o Brasil ainda está devendo. A Formação Bruta de Capital Fixo (o nome completo que consta no passaporte do investimento) crescia, em termos anualizados, 4,1% no terceiro trimestre de 2018, ritmo que caiu para 3% no terceiro trimestre de 2019, quando ficou 23% abaixo do patamar do terceiro trimestre de 2013. Na indústria de bens de capital, núcleo duro do conceito tradicional de investimento, o quadro ainda é desolador. O crescimento porcentual anualizado em outubro de 2019 estava em 0,2%, ante 8,7% 12 meses antes. Ou seja, esse segmento da indústria está desacelerando. A produção de bens de capital de outubro de 2019 era 33% menor que a do final de 2013.
O crescimento mais intenso da economia em 2020 parece assegurado. Virá do consumo, estimulado pelo pequeno aumento do emprego e pela forte queda nos juros.
Juros menores também impulsionarão a construção civil, já que os órfãos da renda fixa terão de procurar alternativas para a valorização de seus capitais. Mas será o comportamento dos investimentos que definirá se este crescimento será ou não um novo voo de galinha.
O governo parece alheio a este empecilho. Dentro do fundamentalismo liberal que dá a tônica das medidas econômicas, o pressuposto é de que o mercado resolve tudo e que basta o governo se recolher para que a iniciativa privada preencha automaticamente o hiato. Algo como uma reedição tardia do credo professado por Thatcher ou Reagan. Aqui ainda estamos passando flanela nessas ideias antigas.
O investimento industrial pode reagir ao aumento do consumo. Não será a salvação da lavoura, mas salvam-se algumas couves. Já o investimento em infraestrutura não pode decolar sem a coordenação direta do governo. Fala-se em concessões como se fosse trivial atrair a iniciativa privada para projetos de longo prazo. Mas a Lei Geral de Concessões tramita na Câmara dos Deputados sem a chancela do governo, do que resultou um projeto megalomaníaco e de duvidosa eficácia. O governo Bolsonaro não entende que foi eleito para fazer política. Sem falar que nem todos os projetos de infraestrutura são passíveis de serem explorados por empresas que visam ao lucro. O mercado projeta hoje um crescimento de 10% no acumulado dos próximos quatro anos. É pouco, quase um voo de galinha. Se o governo não engendrar logo uma forma de alavancar investimentos, estaremos condenados a voar baixo.
*Economista, foi diretor de política monetária do Banco Central e professor de economia da PUC-SP e da FGV-SP.