Bolsonaro aposta tudo
A mistura de política com entretenimento não é novidade. Era assídua nas marchinhas de carnaval, na música popular, e continua arrancando gargalhadas nos programas humorísticos de TV. Artistas sempre foram bons cabos eleitorais e showmícios faziam parte das campanhas até serem proibidos pelo Supremo, em 2006. Tudo para lá de inocente perto do que se vê nas redes sociais, ambiente em que a política virou um reality show sob medida para o populismo de ocasião.
Nele, o presidente Jair Bolsonaro tem se mostrado imbatível. Na última quinta-feira, movimentou o Facebook com uma enquete sobre como deveria agir quanto ao fundo eleitoral de R$ 2 bilhões proposto pelo seu governo e aprovado pelo Congresso. Vetar e correr o risco de um impeachment ou sancionar, provocou.
De duas, as duas. Mentiu ao delegar a escolha para a galera e tratou uma decisão presidencial como bacalhau que se joga na plateia. (Que o genial Chacrinha me perdoe pela citação.)
Nada que cause espanto em um governo que define políticas públicas por likes no Facebook, retweets e coraçõezinhos de aprovação.
Ministros como Abraham Weintraub, da Educação, Damares Alves, da Mulher, Família e Direitos Humanos, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, parecem que se ocupam mais das redes do que das tarefas para as quais foram nomeados. Pelo volume de posts diários e lives semanais, que duram em média uma hora, o próprio presidente dá a entender que agradar fãs no Facebook e no Twitter é determinante. Importa mais que a governança, que o país.
No primeiro ano de governo foi a temperatura nas redes que determinou as idas e vindas do presidente. Seja para amenizar o projeto original da Previdência ou adiar privatizações, voltar atrás na mudança da Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém ou na indicação de seu filho Eduardo para a Embaixada dos Estados Unidos.
Antes de o ano virar voltou da Bahia para Brasília depois de ser duramente criticado no Facebook e no Twitter por preferir ver a chegada de 2020 longe da mulher e, pior, no momento em que ela passaria por uma cirurgia, mesmo sob alegação de risco zero. Erro fatal para quem se diz um feroz defensor da família sobre todas as coisas. Nem os fanáticos seguidores perdoaram.
As redes servem ainda para a prática da tergiversação.
Com estratagemas diversos – acusações à imprensa, falsas notícias, exageros ou impropérios inadmissíveis para qualquer um, quanto mais para alguém que deveria servir de exemplo -, Bolsonaro usa as redes para tirar o foco dos imbróglios em que seus filhos se metem. Basta uma investigação chegar perto de algum deles para que o presidente fale ou escreva um post desaforado que suplante a notícia incômoda.
Serve ainda para testar a (im)popularidade de medidas como o retorno da CPMF, que espertamente Bolsonaro terceirizou para a equipe de Paulo Guedes. Aí o presidente chega ao cúmulo de conversar com o ministro no Planalto pela manhã e deixá-lo sem tapete depois do almoço no primeiro post da tarde.
Uma prática repetida amiúde com o ministro Sérgio Moro, desautorizado por diversas vezes em todas as mídias – ao vivo, gravado, em entrevistas distribuídas em atacado nas redes. Na seara de ser contestado publicamente pelo chefe ninguém suplanta Moro, o que, imaginam alguns dos fiéis do ex-juiz, poderá ser utilizado a favor de uma eventual candidatura dele à Presidência.
Sonhos de 2022 que, diga-se, têm adeptos a rodo na mesma web em que Bolsonaro brilha.
Ainda que a performática atuação dê a impressão de que Bolsonaro está bombando, sua aprovação entre os brasileiros é inferior à do também populista Fernando Collor, o caçador de marajás. Collor foi eleito pela TV e deposto pelas ruas, canal que ele duvidava que poderia ser mais forte do que a audiência eletrônica que ele tão bem dominava.
Bolsonaro aposta tudo nas redes. Seu governo se dá por meio delas. Sua popularidade, ainda que tenha sofrido forte queda, se mantém por arrobas fiéis. Resta saber se o país se renderá à audiência digital e a plebiscitos populistas baratos.
*Mary Zaidan é jornalista