Juliano Corbellini, responsável por coordenar as campanhas vitoriosas de Flávio Dino no Maranhão, afirma que a esquerda negligencia pautas de segurança e corrupção
As eleições municipais de 2020 prometem. Teremos a reestreia (nas ruas) do ex-presidente Lula como cabo eleitoral, uma vez que o petista passou boa parte de 2019 atrás das grades, e o primeiro teste da capacidade do presidente Jair Bolsonaro de transferir votos para outros candidatos que não seus filhos. “É preciso ver qual será a situação do Governo e como estará popularidade do presidente, e por outro lado como se dará a mobilização de Lula e os efeitos que isso irá produzir”, afirma Juliano Corbellini, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e consultor de marketing eleitoral. Ele foi responsável por coordenar as duas campanhas vitoriosas de Flávio Dino (PC do B) ao Governo do Maranhão que destronaram o clã Sarney.
Ao lado do economista Maurício Moura, escreveu A eleição disruptiva: por que Bolsonaro venceu (Editora Record, 2019), que mostra como o atual presidente surfou na onda do “Partido da Lava Jato” e utilizou com maestria o sentimento antipetista (e o submundo do WhatsApp) para chegar ao Planalto. Sobre o pleito do ano que vem, Corbellini acredita que estamos em um processo de “transição” política, mas ainda há uma “força residual muito forte do antipetismo”. Em entrevista ao EL PAÍS, ele destaca ainda as lições que o campo progressista tem para tirar das campanhas de Dino: “É um Governo de esquerda com forte atuação no campo social mas que se apropriou da pauta de segurança, econômica e anticorrupção. E segurança e a corrupção são justamente as pautas onde a esquerda perdeu em 2018 de maneira geral”.
Pergunta. As eleições municipais de 2020 também serão “disruptivas” como as de 2018?
Resposta. Eu acho que vamos viver uma eleição que já se dá em meio a um processo de transição no quadro político e partidário, embora ainda não saibamos para onde esta transição ira levar. Vai haver um pouco de ressaca, ainda teremos uma força residual, mas muito importante, do antipetismo. Por outro lado o PT vive outro momento, com Lula solto e podendo fazer campanha para seus candidatos.
P. Bolsonaro deve ser um bom cabo eleitoral?
R. Isso depende de como ele irá se comportar nesta posição. Mas uma coisa está clara: apesar dele ter uma situação partidária indefinida [o presidente deixou o PSL e se empenha para fundar uma nova legenda], o fato é que o bolsonarismo, que nós chamamos de “partido da Lava Jato” no livro [A eleição disruptiva], demonstrou em 2018 que a questão partidária é secundária para eles. Eles são uma força que transcende partidos. Então evidentemente muitos candidatos de diferentes legendas irão tentar se associar ao bolsonarismo, como ocorreu no ano passado.
É preciso ter em conta que este “partido da Lava Jato” continua sendo uma força social muito forte. Mas alguns dos acontecimentos deste ano, como os episódios revelados pelo The Intercept Brasil , e mesmo o Sergio Moro se alinhando politicamente ao Governo —inclusive assumindo sua defesa—, e as acusações envolvendo Flávio Bolsonaro, expuseram muito o clã. O próprio Moro, que continua sendo popular, é bem menos do que era quando juiz.
P. Quem deve desempenhar melhor esse papel de cabo eleitoral, Lula ou Bolsonaro?
R. Isso só vamos saber em agosto de 2020, quando começar a campanha. Porque é preciso ver qual será a situação do Governo, como estará a popularidade do presidente e, por outro lado, ver como se dará a mobilização de Lula e os efeitos que isso irá produzir. É preciso ter em vista a possível equação das alianças políticas: o PT dialoga com outros partidos e forças grandes. O fato é que ambos serão players importantes nas eleições, mobilizando amor e rejeição.
P. A popularidade do presidente está baixa. Isso pode impactar sua capacidade de alavancar aliados?
R. Não podemos analisar a popularidade do Bolsonaro como analisamos a dos outros Governos, pela própria atipicidade desta gestão. A preocupação dele não é ter mais de 50% de ótimo/bom nas pesquisas. Ele não busca ampliar a base de apoio, como Lula. O objetivo do presidente é manter os seus seguidores coesos, manter um terço do país mobilizado. Ele precisa manter essa base de apoiadores aquecida. E para isso um dos pré-requisitos é apostar na lógica de polarização política permanente, manter seus inimigos sempre vivos. O que ele quer é ser a maior minoria, essa é a estratégia dele para 2022. Demonizando a esquerda, fomentando a pauta do armamento… A lógica dele nas municipais deve ser a mesma: campanhas aquecidas, radicais.
P. O desempenho da economia tem um peso forte nas municipais assim como tem na nacional?
R. Sim. Se o Governo conseguir criar um ambiente de recuperação econômica, o voto em candidatos apoiados por ele tende a ser maior, mesmo nas municipais.
P. Qual lição o Maranhão de Flávio Dino pode dar para o campo progressista nestas eleições?
R. O Maranhão tem lições muito importantes para dar. O Governo do Flávio tem uma pauta social muito profunda, com foco em mudanças na educação. O Estado saltou no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), isso em um Estado muito pobre, onde é difícil fazer políticas públicas efetivas. O Maranhão é um dos que paga o maior salário para professores da rede estadual… Enfim, existe um compromisso com a pauta social, mas sem abrir mão do diálogo com o centro.
Mas para além da pauta social, o Maranhão tem grande obra na área da segurança, e o Governo dele não abre mão da austeridade fiscal. É um Governo de esquerda que se apropriou da pauta de segurança e da pauta econômica e anticorrupção. E a segurança e a corrupção são justamente as pautas onde a esquerda perdeu em 2018 de maneira geral.
P. O PSDB não conseguiu aproveitar a crise do PT e naufragou em 2018. Você acha que há espaço para que o partido se recupere? Com esse novo PSDB do João Doria?
R. Em 2018 o PSDB flertou pelo partido da Lava Jato e foi engolido por ele com uma série de denúncias contra alguns de seus integrantes. Do ponto de vista da polarização da política brasileira, o PSDB foi removido. Com essa derrota do Geraldo Alckmin, que representava o PSDB mais clássico, vemos que hoje o partido tem uma cara indefinida. Há um esforço do Doria em assumir esta nova cara do PSDB, mas mesmo ele não consegue se definir direito: ora é gestor, ora antipetista, hora pacificador. O Doria obteve algumas vitórias na Executiva Nacional do partido, conseguiu indicar um novo líder, mas foi derrotado na questão da expulsão do Aécio Neves.
P. Qual o foco do Doria nestas eleições?
R. São Paulo. Se o candidato apoiado por ele perder aqui em 2020 ele não poderá jogar em 2022 a cartada de que ele é o PSDB “que dá certo”. Uma derrota na capital do Estado não seria o suficiente para tirá-lo do páreo na corrida para o Planalto, mas enfraquece.
P. O governador defendeu uma chapa com o prefeito Bruno Covas disputando a reeleição e a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) de vice. Seria competitiva?
R. Essa tentativa tem fundamento. Covas é o PSDB clássico, enquanto que a Joice representa o “Partido da Lava Jato”. Pode ser competitivo.
P. Mas o Covas está com índices baixos de popularidade…
R. É preciso ter em mente que o primeiro semestre do ultimo ano de gestão tem um peso enorme na disputa para as prefeituras em geral. Costuma ocorrer, até por uma questão de execução orçamentária, uma recuperação de popularidade. Então este sprint final das prefeituras no ano eleitoral reserva surpresas.
P. Alguns dos políticos que se autointitulavam “outsiders” agora estão dentro. Isso não afeta suas possibilidades?
R. Uma safra de prefeitos eleitos com base na chamada nova política ou na antipolítica, serão julgados nas urnas. Pega Rio e Belo Horizonte, por exemplo, onde prefeitos se elegeram com discurso de critica à política tradicional. Agora serão avaliados com base na sua capacidade administrativa.
P. As pautas nacionais devem influenciar as eleições municipais?
R. Sempre há uma proeminência da pauta municipal, mas estas eleições sinalizam o ambiente da opinião pública com vistas à eleição nacional. Nas municipais de 2000 era possível antever a vitória do PT em 2002. Nas municipais de 2016 se vislumbrou a onda antipolítica que culmina com a vitória do Bolsonaro em 2018. Então estas eleições serão um termômetro para 2022.
P. As campanhas via Whatsapp e Facebook, manchadas pela disseminação de fake news, serão preponderantes em 2020?
R. Acho que o Whatsapp chegou para ficar. Foram feitas mudanças importantes [no funcionamento do aplicativo, como redução no número de destinatários para disparo], mas é preciso ver qual serão seus efeitos. Teremos que acompanhar o debate a respeito das fake news, bem como sobre uma legislação capaz de punir os responsáveis por sua disseminação. As candidaturas municipais, principalmente para vereadores, terão o Whatsapp como instrumento importante, até pela ausência de financiamento.
P. De agora em diante toda eleição será pautada por notícias falsas?
R. Não dá para dizer que isso é um modelo definitivo. A eleição do Bolsonaro foi um evento, não é possível prever que irá se repetir. Qual o modelo de campanha dele? Foi feita por baixo, via contágio, redes que ele construiu por quatro anos. Agora, achar que esse modelo será um novo modelo universal para todas as campanhas é precipitado. Aquele foi um modelo que funcionou para aquela conjuntura. O voto em 2018 foi um antivoto movido por valores específicos, como o nacionalismo, a defesa da família e a pauta anticorrupção.