Mercado de trabalho melhora um tico no final de 2019, mas vai mudar muito ainda
Ciclista de aplicativo, bolo de pote e filas imensas de feirão do emprego foram as imagens do mercado de trabalho do ano que acabou de acabar. Quem arruma alguma ocupação ainda é trabalhador “por conta própria”, na linguagem das estatísticas oficiais. Mas, tudo somado, houve sinais de boa notícia nos números de novembro, os mais recentes.
Isto posto, é preciso explicar o que são essas melhorias. Mais ainda, é preciso ter perspectiva para pensar um pouco do que pode ser o mercado de trabalho —a neoprecarização começou bem antes da recessão e vai mudar de cara.
Primeiro, o emprego continua ruim. Mas o salário médio voltou a subir um pouquinho; a massa de rendimentos (a soma do que todo mundo ganha trabalhando), também. É combustível para alguma aceleração do consumo e do PIB em 2020.
O salário médio ficou estagnado (na comparação com o ano anterior) de abril a setembro; a massa de rendimentos crescia apenas 1,8% ao ano em agosto, setembro. Em novembro, crescia a 3%. Parece acelerar.
Segundo, não vai ser possível ter segurança dessas melhorias antes de fevereiro ou de março do ano que vem, quando teremos dados da virada do ano e uma medida do efeito de impulsos (talvez) passageiros, como a liberação do FGTS.
Terceiro, sabemos pouco do mercado de trabalho e menos ainda dessa economia que, parece, sai das ruínas.
Considere-se o último momento de criação de empregos antes da recessão (para os quais há dados comparáveis), de 2012 a 2015. Nesse período, a categoria “por conta própria” cresceu 9,5%; a de “empregador” (quem emprega ao menos um trabalhador), 13,5%; a dos celetistas, 3,4%.
Mesmo nos anos finais do “boom”, o emprego mudava.
Desde 2017, quando passou de novo a haver criação de emprego (sempre em comparações com o ano anterior), o número de “por conta própria” cresceu 7,2%; o de “empregadores”, 2,2%; a de celetistas, 0,9%.
O grosso do emprego novo vem desses três grupos. A diferença maior agora é a escassez de emprego novo com CLT e a aparente falta de oportunidade dos “empregadores” (que talvez sejam “por conta própria” que ora não têm condição de empregar ninguém). Uns 10% dos CLTs devem ser trabalhadores em tempo parcial ou intermitentes.
Quarto, com algum progresso no emprego, talvez falte ciclista de aplicativo. Alguns jovens talvez deixem o mercado com a melhora da situação da família ou arrumem trabalho menos massacrante. De qualquer modo, haverá menos jovens, para pedalar ou para outro trabalho.
De 2012 a 2018, a população de 14 a 29 anos diminuiu mais de 4%; o número dessas pessoas na força de trabalho também diminuiu uns 4%. Deve diminuir ainda mais rápido nos próximos anos, segundo a projeção do IBGE.
O grupo de idade que mais cresce (e vai crescer ainda mais rápido), na população e no mercado de trabalho, é o das pessoas de mais de 50 anos e, ainda mais rapidamente, o daqueles com mais de 60 anos.
Parece razoável acreditar que mais empregos sejam uberizados. Os já uberizados podem criar organizações sindicais ou similares (como começa a acontecer nos Estados Unidos). Mais pessoas vão procurar inventar seu trabalho, por necessidade ou oportunidade. Mais e mais empregos formais são criados na área social (saúde e educação).
O futuro da indústria brasileira é uma incógnita, mas daí não virá muito emprego. A população empregada envelhece de modo notável ano a ano.
Caso a economia melhore um tico, a conversa vai mudar.