Sociedade se organizou para corrigir ímpetos muito particulares
A quem está na vida pública não é dado o direito de ser pessimista ou a chance de deixar-se acomodar resignado ante os obstáculos. O ano de 2019 foi muito difícil para o Brasil; 2020 será ainda mais desafiador. Mas há um legado a ser celebrado no período que fica para trás.
Com alguma surpresa, o país descobriu a diferença entre governo e governança. Abriu os olhos também para a necessidade de fazer da ação política um catalisador permanente das forças da sociedade, e não apenas um elixir para animar períodos de campanha eleitoral. Por meio do Parlamento e contando com a moderação sempre bem-vinda do Judiciário, a sociedade se organizou para melhorar, corrigir e às vezes dar novos rumos aos ímpetos reformistas de quem tentou ler o resultado das urnas de 2018 com lentes muito particulares e sob prismas unipessoais.
A Câmara dos Deputados e o Senado Federal encontraram caminhos para melhorar a reforma da Previdência e aprovar um conjunto de mudanças que renovará o ânimo de empresas e de empreendedores ansiosos por investir aqui. Também driblamos os antagonismos daqueles resistentes a um novo marco legal para estimular obras e entregas na área do saneamento básico, ponto nevrálgico de carências para os brasileiros. A partir do próximo ano deveremos comemorar avanços reais na coleta e tratamento de esgotos e no abastecimento de água potável —isso se converterá em redução da mortalidade infantil e de doenças endêmicas nos municípios de todo o território nacional.
Ao desempenhar o papel de moderador do ativismo legal de um governo que nem sempre escutou de forma ampla as diferentes vozes da sociedade num Brasil que é mosaico de culturas, de religiões, de credos, de etnias e de gêneros, o Congresso Nacional congelou (e também refreou) a tensão provocada por uma pauta conservadora na área dos costumes.
A coragem dos líderes no Parlamento, que tomaram a frente da resistência a um processo fadado a destruir pontes de diálogo historicamente construídas por organizações e entidades da sociedade civil, tem de ser enxergada como legado positivo de 2019.
Se fomos duros na pauta de costumes para conservar a vocação pluralista do nosso povo, soubemos ser proativos na fiscalização e no combate à degeneração dos indicadores de conservação da natureza e de preservação do meio ambiente. O governo tem falhado no desempenho de seu papel de uso da força para coagir agressores do patrimônio mundial que são a Amazônia e o Pantanal —e também as nações indígenas, que compartilham conosco o território nacional. Nós, congressistas, estabelecemos conexão direta com entidades e organismos internacionais cujo mister é justamente fiscalizar e denunciar agressões a fim de reprimir agressores. Usamos instrumentos legitimados pela diplomacia e pelas relações econômicas.
Perseverar nesse aprendizado e usar as mesmas ferramentas para conter retrocessos na área da cultura é nossa missão em 2020.
A atual legislatura foi a que mais rejeitou medidas provisórias baixadas pelo Poder Executivo. Assistir ao Parlamento impor limites a governantes é, sem dúvida, um aspecto a ser saudado. Diferentemente do reducionismo analítico a que muitos cederam, lendo a insurgência de um “parlamentarismo branco”, temos na verdade um Legislativo desempenhando suas atribuições constitucionais.
O aprendizado adquirido nesses embates não deixa dúvidas: o saldo de 2019 é positivo. Avançamos, aos trancos e barrancos —como lá atrás Darcy Ribeiro diagnosticara que faríamos.
*Rodrigo Maia, deputado federal (DEM-RJ), é presidente da Câmara dos Deputados