Nenhum problema quando um chefe de Poder Executivo discorda do teor de determinado conteúdo jornalístico. Para isso ele, e todos, tem sempre o direito de resposta. E, pela natureza do cargo que ocupa, seu canhão de comunicação pode muito bem contestar a informação publicada e tentar provar que ela está errada. Se a informação estiver errada, com certeza veículos profissionais, como “Folha de S.Paulo”, TV Globo ou O GLOBO, farão imediatamente a correção. Assim é que se faz nas democracias. Se a denúncia for exata, o negócio é corrigir o erro e pedir desculpas, quando couberem.
O grande escândalo do governo de Michel Temer trouxe também uma excelente história de tolerância, de respeito à democracia e de convivência democrática entre imprensa e poder público. Quem não se lembra da reportagem de Lauro Jardim, no GLOBO, mostrando com detalhes um encontro sombrio entre o então presidente e o empresário Joesley Batista? Não houve até aqui no governo Bolsonaro um escândalo de tamanha dimensão. E o que Michel Temer fez contra a imprensa depois da denúncia que repercutiu em todos os veículos de comunicação e se estendeu pelo resto de seu mandato? Nada.
Temer tentou por todos os meios lícitos provar que o encontro no Jaburu não tinha nada de mais. Que não deu carta branca a Joesley, nem o incentivou a manter calado o ex-deputado Eduardo Cunha ao falar a famosa frase “Tem que manter isso, viu?”. E mais, mesmo debaixo de um verdadeiro dilúvio político, o presidente seguiu dialogando com jornalistas e recebeu repórteres, colunistas e editores do GLOBO no Palácio do Planalto para conversas absolutamente republicanas. Recebeu até mesmo Lauro Jardim, o autor da reportagem que quase encerrou o seu mandato. Foi uma conversa respeitosa seguida de almoço.
Desde a posse de Bolsonaro, vemos quase diariamente diversas modalidades de agressão à imprensa. Já estão contabilizados mais de cem ataques furiosos do presidente contra jornais e jornalistas. Os dois mais recentes foram o faniquito contra a TV Globo, no final de outubro, e a suspensão de assinaturas seguida de boicote à “Folha de S.Paulo”, anunciado na semana passada pelo Palácio do Planalto. Nos dois casos, o que se viu foi uma reação extravagante a reportagens que desagradaram a Sua Excelência.
O nome disso é intolerância. Nenhuma novidade em se tratando do capitão. Ele nunca escondeu que é assim mesmo que pensa e é dessa forma que sempre reagiu, desde seu primeiro mandato como deputado federal. Se nunca foi freado por seus atos antidemocráticos no Congresso, por que haveria de ser no Planalto? Com esta pergunta respondida, Bolsonaro avança com sua regra agressiva e criminosa. E, até agora, nenhum poder pisou no freio. O Congresso finge que não é com ele. O Supremo faz ar de paisagem.
Por isso, pela impunidade, a escalada contra a imprensa do presidente segue e gera filhotes, todos perigosos. Alguns ridículos. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, é um desses clones patéticos de Bolsonaro. Na segunda-feira, depois de O GLOBO publicar matéria com a denúncia de um doleiro preso sobre o balcão de negócios de Crivella, o prefeito imitou seu superior e chamou os repórteres de patifes e canalhas. Na terça, proibiu O GLOBO de participar de uma entrevista coletiva sobre o réveillon deste ano. Trata-se de um despropósito. O prefeito imagina que a prefeitura é sua casa e que pode determinar quem nela entra e quem não entra.
Se Bolsonaro pode fazer qualquer barbaridade, por que eu também não posso?, deve ter se perguntado o bispo-prefeito com aquela sua cabeça rudimentar. Do outro lado da montanha, cansamos de ouvir as ameaças do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra veículos de comunicação. Ele já disse, mais de uma vez, que se um dia voltasse ao poder faria o controle externo da mídia, nome de fantasia de censura à imprensa. A sanha antidemocrática alcança da mesma forma as duas extremidades do espectro político.
O capitão, o bispo e o sindicalista deveriam mirar-se no exemplo de Michel Temer.