No recente livro O Chamado da Tribo, o Prêmio Nobel de Literatura Mário Vargas Llosa descreve em oito capítulos a sua história intelectual e política, do marxismo na juventude para o liberalismo na fase adulta. Em cada capítulo o resumo do trabalho dos pensadores que fizeram a sua cabeça: Adam Smith, Ortega y Gasset, Hayek, Popper, Aron, Isaiah Berlin e Revel.
No capítulo de Hayek, ele descreve o ensaio “Por que não sou um conservador” incluído no posfácio do clássico Os fundamentos da liberdade desse autor. Ali ele explica a diferença entre um liberal e um conservador, apesar de terem muitas coisas em comum.
Um conservador, diz Hayek, não propõe alternativa para a direção em que o mundo avança, enquanto para um liberal o para onde nos movemos é essencial. O propósito de um conservador é ditado pelo medo à mudança e ao desconhecido, por sua tendência naturalmente propensa à “autoridade” e pelo fato de que ele padece de um grande desconhecimento das forças que movem a economia. Tende a ser benevolente com a coerção e o poder arbitrário, que pode até justificar se, usando a violência, julgar que atinge “bons fins”. Isso estabelece um abismo insuperável com um liberal, para o qual “nem os ideais morais nem os religiosos justificam jamais a coerção”, coerção essa em que acreditam tanto os socialistas como os conservadores. Esses últimos costumam responsabilizar “a democracia” por todos os males que a sociedade padece e veem na própria ideia de mudança e de reforma uma ameaça a seus ideais sociais. Por isso muitas vezes os conservadores são obscurantistas, isto é, retrógrados em matéria política.
Um conservador dificilmente entende a diferença que os liberais fazem entre nacionalismo e patriotismo, para ele as duas coisas são idênticas. Para um liberal o patriotismo é um sentimento benévolo, de solidariedade e afeto a terra em que nasceu, aos seus ancestrais, à língua que fala, à história vivida pelos seus, coisa perfeitamente saudável e legítima, enquanto o nacionalismo é uma paixão negativa, uma perniciosa afirmação e defesa do que é próprio contra o estrangeiro, como se o nacional constituísse um valor em si mesmo, algo superior, uma ideia que é fonte de racismo, de discriminação e de encerramento intelectual.
Os conservadores costumam ter muita segurança e firmeza sobre todas as coisas, o que os impede de duvidar de si mesmos. E, segundo Hayek, a dúvida constante e a autocrítica são indispensáveis para fazer avançar o conhecimento em todos os campos do saber. Um liberal costuma ser “um cético”, alguém que considera provisórias até mesmo as verdades que lhe são mais caras. Esse ceticismo é justamente o que lhe permite ser tolerante e conciliador com as convicções e crenças dos outros, mesmo que sejam muito diferentes das suas.
E conclui Hayek afirmando que esse espírito aberto, capaz de mudar e superar as próprias convicções, é incomum e quase sempre inconcebível para quem, como tantos conservadores, julga ter alcançado as verdades absolutas, invulneráveis a qualquer questionamento ou crítica.