Eros Grau mostrou que o ex-comissário mentiu ao tratar do contrato que assinou com Márcio Thomaz Bastos
Advogando para a família de Márcio Thomaz Bastos, morto em 2014, o ex-ministro Eros Grau expôs uma variante da Teoria da Bosta Seca, segundo a qual quando dois delatores contam histórias conflitantes, não se deve mexer no caso, para evitar a fedentina.
O ex-comissário Antonio Palocci foi capaz de conflitar consigo mesmo.
Em sua recente delação à Polícia Federal, ele disse que em 2009 foi contratado por Thomaz Bastos para ajudar no desmonte da Operação Castelo de Areia, na qual a empreiteira Camargo Corrêa estava enterrada até ao pescoço. Recebeu um capilé de R$ 1,5 milhão.
Como o escritório de consultoria de Palocci era capaz de tudo, sua palavra podia valer alguma coisa.
Grau mostrou, documentadamente, que o contrato de Thomaz Bastos com Palocci referia-se a serviços de assessoria nas negociações para a compra das Casas Bahia pelo Grupo Pão de Açúcar. Mais: o próprio Palocci deu essa explicação ao Ministério Público em 2011, que resultou no arquivamento de um processo.
Aquilo que em 2011 foi um serviço para o Pão de Açúcar, em 2018 virou uma propina da Camargo Corrêa.
A defesa de Palocci reconhece que ele contou duas histórias para o mesmo contrato e justificou-se para a repórter Mônica Bergamo dizendo que ele “não revelou às autoridades qual era o verdadeiro escopo do contrato porque não estava colaborando com a Justiça nem tinha o compromisso de dizer a verdade”. Conta outra.
Em tempo: as 86 páginas da delação de Palocci são um passeio pelas suas andanças no andar de cima durante o mandarinato petista. Recusada pelo Ministério Público, ela tem muito caldo e pouca carne. Um capítulo, contado em apenas uma página, conta o caso do mimo de US$ 1 milhão feito pelo ditador líbio Muammar Gaddafi durante a campanha de 2002.
Essa história circula há anos. Palocci contou que o dinheiro foi repassado ao PT usando-se uma conta do publicitário Duda Mendonça na Suíça. Os dois teriam combinado a transação no hotel WT Center, em São Paulo. Duda está à mão e o depósito pode ser rastreado.
Essa poderia ser mais uma lenda palocciana, mas em dezembro de 2003 Lula foi à Líbia e, durante o jantar que lhe foi oferecido pelo ditador que seria assassinado em 2011, disse o seguinte:
“Quero dizer ao presidente Gaddafi que, ao longo dessa trajetória política, assumi muitos compromissos políticos. Fizemos alguns adversários e muitos amigos. Hoje, como presidente da República do Brasil, jamais esqueci os amigos que eram meus amigos quando eu ainda não era presidente da República”.
*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralada”.