Para especialista, mudar a lei só para punir políticos não é bom: ‘Tem de ter uma discussão de direito, filosófica, doutrinária’
Paulo Beraldo, de O Estado de S. Paulo
O Congresso Nacional deveria julgar em outro momento a possibilidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que determine o cumprimento da pena após condenação em segunda instância, segundo o cientista político Sérgio Abranches.
Segundo ele, o debate político está contaminado pela soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última semana, após 580 dias preso. “Fazer uma mudança institucional apenas para punir ou permitir que alguém escape de punição não é bom. Tem de ser uma discussão de direito, filosófica, doutrinária”, afirmou. Abaixo, os principais trechos da entrevista.
Na sua avaliação, o que a soltura do ex-presidente Lula muda no cenário político brasileiro?
A oposição estava muito desarticulada e o principal partido da oposição no Congresso é o PT, que tem a maior bancada da Câmara e bancada razoável no Senado. E o PT estava, basicamente, envolvido no movimento “Lula Livre”, sem uma liderança clara. Com a saída do Lula, o impacto maior é estruturar e coordenar a direção da oposição.
Há uma tese de que, caso o ex-presidente tenha um discurso mais radicalizado, isso pode favorecer Bolsonaro. Como vê isso?
Se Lula optar por uma polarização que leve a sociedade a ver o mundo entre lulismo e bolsonarismo, de fato será pouco produtivo e tende a dar a Bolsonaro e ao movimento que o levou ao poder mais longevidade e importância do que de fato ele tem. Agora, se fizer uma oposição estruturada, capaz de fazer frente às investidas do governo, seria positivo. O Lula é a liderança com maior capacidade de articular uma frente ampla contra o autoritarismo A questão é saber se ele vai querer.
Como o senhor avaliou as primeiras manifestações de Lula após sua soltura?
Tomei como um desabafo. Ele ficou por um longo período sem poder falar de forma mais ampla, por 580 dias, apenas entrevistas ou mandando recados. Mas (ele) é um ser político e, agora, vai começar a refletir mais sobre qual papel estratégico ele vai desempenhar neste momento tão complicado.
Existe interesse nos comandos do Senado e da Câmara dos Deputados em discutir uma proposta que assegure a possibilidade de prisão em segunda instância?
A discussão da segunda instância está contaminada por uma série de questões subjetivas e não de procedimentos de direito. Se fôssemos julgar abstratamente, é evidente que no Brasil a ideia do trânsito em julgado e a noção de quando é legítimo e justo iniciar o cumprimento da pena é leniente demais. Entendo que o cumprimento da pena a partir da segunda instância é o melhor caminho, de maneira abstrata.
Há clima para essa discussão?
Vejo várias complicações. Nesse clima de radicalização e particularização de questões, talvez o Congresso não seja capaz de tomar uma decisão objetiva. Se ficar como uma tentativa de fazer com que o Lula ou o José Dirceu voltem a cumprir pena, é um mau começo. Se entrar o interesse dos parlamentares que estão prestes a serem julgados na segunda instância, também é ruim. Isso mancharia a legitimidade dessa decisão que já está muito contaminada pela instabilidade da decisão do Supremo Tribunal Federal, que é inexplicável e inaceitável uma Corte Constitucional mudar em tão pouco tempo várias vezes de opinião a respeito de uma questão tão importante. Então, fazer uma mudança institucional apenas para punir ou permitir que alguém escape de punição não é bom. Tem de ser uma discussão de direito, filosófica, doutrinária.