Míriam Leitão: Festa e fúria no solo do Brasil

Um Lula radical facilitará a polarização que ajudará Bolsonaro, que ganhou eleição como antiLula. Um Lula que tente construir pontes terá mais força.
Foto: Ricardo Stuckert
Foto: Ricardo Stuckert

Um Lula radical facilitará a polarização que ajudará Bolsonaro, que ganhou eleição como antiLula. Um Lula que tente construir pontes terá mais força

O bonito da democracia é que ela nunca está terminada, como a vida, na linda definição de Guimarães Rosa. Os petistas que choraram de tristeza no dia 7 de abril de 2018 ontem choravam de alegria com a saída de Lula da prisão, depois de longos 580 dias. Os antipetistas que gritaram “mito” para o atual presidente tiveram ontem um dia de fúria. Mas não há só dois lados na política. E o correr da vida é que vai definir a dimensão dos acontecimentos intensos desta semana.

A expectativa é exatamente qual será o caminho que Lula vai escolher. A parte enraivecida da militância quer que ele continue naquele tom da fala inicial, atacando “o lado podre da Justiça, o lado podre do Ministério Público, o lado podre da Polícia Federal e o lado podre da Receita Federal” que, segundo ele, “trabalharam para tentar criminalizar a esquerda, criminalizar o PT, criminalizar o Lula.” O desabafo era previsível. Mas, em uma conversa longa que tive com um dos políticos petistas esta semana ouvi frequentemente a expressão “frente ampla”. Haverá, como sempre, os raivosos e os que vão sugerir que ele amplie o diálogo para além do partido. Hoje parece preponderante a ala radical, que é representada pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Ao mesmo tempo, Lula, que já se definiu como “uma metamorfose ambulante”, pode ir pelo caminho que indicou ao afirmar:

— Eu saio daqui sem ódio. Aos 74 anos meu coração só tem espaço para amor porque é o amor que vai vencer neste país — afirmou, depois de dizer que correrá o Brasil.

A operação Lava-Jato produziu tantos eventos concretos, tanto dinheiro de volta para os cofres públicos, tantas confissões, que seria preciso fechar os olhos completamente para achar que não houve uma epidemia de corrupção nos governos petistas.

Por outro lado, a partir do momento em que o juiz Sergio Moro, que o condenou, foi para o governo Bolsonaro, ele derrubou o muro que deveria separar o judiciário da política, ainda mais quando decisões judiciais interferem tão diretamente no xadrez da política. Lula responde a vários processos, mas o que o levou à prisão foi por ser supostamente dono de um apartamento no qual nunca morou. Este fato e tudo o que veio depois enfraquecem a confiança na sentença, até porque ela parece excessiva: nove anos, na primeira instância, que foi elevada para 12 anos na segunda.

O fato de ele ter saído após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) dá a ele uma força maior. Se ele tivesse sido libertado após o pedido do MP para que se observasse a progressão da pena, o quadro seria outro. Pareceria concessão dos mesmos que o acusaram. Isso sem falar no risco do constrangimento de uma tornozeleira. Ele saiu mais forte. Mas a história não está terminada.

Lula falou algumas vezes ontem que Fernando Haddad foi roubado na eleição. Não há qualquer evidência disso. Mas, quando ele compara o ministro da educação que Haddad foi e o atual, fica difícil não concordar com ele. O problema do governo Bolsonaro é que algumas pessoas são mais do que ruins para os cargos que exercem, chegam a ser bizarras. É o caso do atual ocupante do Ministério da Educação.

Lula escolheu definir Bolsonaro como “mentiroso”. E diante das muitas fake news, uma delas esta semana sobre três empresas saindo da Argentina, fica difícil discordar dele.

Um Lula radical facilitará a polarização que ajudará Bolsonaro. Ele ganhou a eleição em parte encarnando o antiLula. Um Lula que tente construir pontes terá mais força. O ex-presidente saiu da prisão depois de ter mostrado uma resiliência impressionante. Nestes 580 dias perdeu irmão, amigos e um neto. Viu seu partido perder a eleição seguindo a estratégia que ele definiu, que eclipsou o próprio candidato. Foi acompanhado por uma militância fiel, mas aprisionou o partido em seu destino. O PT não conseguiu ter uma cara, um projeto que não fosse esperar pela saída de seu líder.

A longa discussão no STF mostra que a questão de quando começar o cumprimento da pena divide o país e o próprio Supremo. Os votos sustentaram argumentos opostos diante da mesma lei. O presidente Dias Toffoli deu um voto de minerva jogando o assunto para o Congresso.

Uma das mais belas frases de “Grande Sertão Veredas” é que “o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas estão sempre mudando. Afinam e desafinam”. Democracia é assim.

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