Há várias boas ideias no pacote do governo de ajuste fiscal, mas são menos grandiosas do que as prometidas pelo ministro Paulo Guedes
As ideias por trás das propostas apresentadas ontem pelo governo são ótimas. O Brasil de fato precisa descentralizar recursos, cortar gastos quando houver uma emergência fiscal, acabar com municípios sem viabilidade, usar o dinheiro que está empoçado em fundos públicos, reduzir os subsídios e isenções e dar mais liberdade ao administrador público nas despesas de pessoal. Tudo certo. A dificuldade no atual governo é separar fato de ficção.
O discurso do ministro Paulo Guedes tem sempre planos grandiosos. A medida acaba saindo bem menor. E depois será preciso verificar se é factível. Guedes falou que a ordem autoritária centralizou os recursos. Foi isso mesmo que a ditadura fez. “E a democracia não descentralizou.” Verdade. Mas o que foi proposto foi apenas que um percentual maior dos recursos de futuros leilões de petróleo ficará com estados e municípios. Ele calcula em R$ 400 bilhões o que será distribuído em 15 anos. Em troca, os estados terão que abrir mão da velha demanda que eles têm de serem compensados pelas isenções dadas de ICMS nas exportações de semimanufaturados, a famosa Lei Kandir.
Criar um Conselho Fiscal da República, uma instância de conversa sobre as contas públicas, é bom, mas isso não fará o Judiciário decidir o que o Executivo quer, ou o Legislativo aprovar as propostas que receber. Acabar com municípios sem viabilidade, que tenham menos de 5 mil habitantes e menos de 10% de receita própria, é excelente ideia. Mas tramitará em ano de eleição municipal.
Os 3 Ds emagreceram muito. O projeto inicial era desvincular, desindexar e desobrigar todas as despesas da União, dos estados e municípios, para “devolver à classe política o direito de fazer o orçamento”, como diz Paulo Guedes. No final, o que ficou foi uma proposta de retirar da Constituição o aumento anual para o servidor. Todas as vinculações constitucionais permanecem.
Os mínimos de saúde e educação serão unidos para que o gestor público possa alocar com mais liberdade. Mas as despesas com inativos não entrarão na conta. O governo desistiu na última hora. Quando houver emergência fiscal as despesas poderão ser desindexadas. A não correção dos benefícios da Previdência chegou a estar no pacote e foi tirada. Uma das medidas mais difíceis é a de reduzir as isenções e subsídios. A Zona Franca ficará de fora. Eles querem levar a 2% do PIB, hoje é 4%.
O governo propôs acabar com todos os fundos públicos, exceto os regionais e o da Zona Franca de Manaus. A medida dará dois anos para que a existência dos fundos seja justificada. Os mais de R$ 200 bilhões desses fundos são fruto de receita vinculada. Esse dinheiro já entrou como receita primária em anos anteriores, mas não pode financiar despesa nova porque gera déficit, nem pode ser usado em outra área que não a que foi destinada. O FUST, do setor de telecomunicação, já foi pensado para financiar tudo e fica lá parado. É de fato uma maluquice.
O governo tenta nos muitos anúncios de ontem iniciar um novo período. O que se quer é dar uma arrancada na economia que fortaleça o projeto político. Na entrevista que deu neste fim de semana à Alexa Salomão, da “Folha de S. Paulo”, o ministro Paulo Guedes foi perguntado se haveria a privatização da Petrobras. Ele disse que “num segundo mandato o presidente vai considerar as grandes”. Isso é diferente do que se falava antes, quando se prometia R$ 1 trilhão de privatizações, e confirma que também na economia se trabalha com o horizonte de dois mandatos.
O governo quer dar prioridade à PEC Emergencial que cria várias travas na União, estados e municípios quando há riscos de estouro dos limites fiscais, como a regra de ouro. O projeto do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) sobre esse mesmo assunto tem alguns pontos que não foram incorporados pela equipe, como o de suspender o pagamento do abono salarial. O deputado acha que o seu projeto é de mais longo prazo. O do governo vai estar acoplado à possibilidade de tomada de empréstimos pelos estados que cumprirem as metas do Plano Mansueto. O ministro descreveu assim: “Nos próximos anos só vai ter problema quem quiser. Qualquer um vai poder apertar o botão que trava despesa e chove receita. Em um ano ou dois ele sai do buraco”. Certamente não existe mecanismo que provoque chuva de receita.